27 de agosto de 2018

A TV e o recorte da realidade (apenas mais um exemplo)

     Almoço num restaurante self service do centro da cidade. Como em quase todo estabelecimento do tipo, há uma TV que fica ligada e, na hora do almoço, transmite um noticiário local.
     Num certo momento do noticiário, surge o velho truque: a tradicional matéria emotiva sobre uma pessoa da comunidade (normalmente criança ou idoso) que conseguiu uma vitória pessoal, uma conquista importante. Nem é preciso ver toda a reportagem para entender a motivação: manter motivados, dóceis e "operantes" os oprimidos (que veem o jornal nos self services do centro da cidade).
     Na matéria de hoje, conta-se a história do "seu Durval", que se aposentou pela EMBRAER e virou, vejam que lindo, um artista: pinta quadros sobre a natureza, com flores e pássaros sempre bem coloridos. "Seu Durval" explica que somente depois da aposentadoria conseguiu se dedicar a esta sua paixão, e agora faz exposições de suas obras em cidades da região.
     Os quadros são bem bonitos. O tom da matéria é de felicidade serena.

     Mas...

     O que o jornal teria a obrigação de mostrar (e que, no entanto, ficou bem escondido):
     i) Com a Reforma da Previdência (que o governo insiste em impor e a mídia é bem paga para apoiar), não haverá mais aposentados podendo dedicar-se à pintura, pois as pessoas agora terão que "trabalhar até morrer" (literalmente, na maioria dos casos);
     ii) Com a privatização da companhia em questão, muito em breve não haverá nem mesmo novos "Durvais" trabalhando, pois tudo sinaliza para a internacionalização da produção, com desemprego em massa de brasileiros.

     Essas coisas não são ditas, pois turvariam a tela, estragando a felicidade serena imposta pela TV.

Paulo Barja