30 de março de 2019

Fafá de Belém reunifica o Brasil


     São raros os que conseguem, mas o grande artista é assim: nos primeiros 30 segundos, conquista o público, transformando em festa os minutos seguintes. Benjamin diria que é uma questão de aura, e é bem essa a sensação que temos ao presenciar um show de Fafá de Belém. É dessas (raras) artistas que mesmo o crítico mais sóbrio tem vontade de cobrir de adjetivos: expressiva, expansiva, generosa...
     Com mais de 40 anos de carreira, Fafá de Belém impressiona nos palcos pelo talento e vitalidade. Desde os anos (19)70, a cantora vem construindo um repertório de grande versatilidade e que, justamente por sua diversidade, retrata à perfeição o Brasil. Fafá começou sua carreira cantando obras do mestre Waldemar Henrique, é presença frequente em trilhas de novela, canta (bem) Chico Buarque, deslumbra em despudoradas versões de canções brega, tem feito apresentações esporádicas com orquestra e, no show atual, privilegia as guitarradas do Pará.
     O formato da apresentação é, em si, uma aula: mescla conceitos de pocket-show (é um trio: a cantora e a excelente dupla Cordeiro nas duas guitarras) com as características de show grande, com direito a telão e, claro, a voz oceânica da protagonista. A sequência de imagens é muito bem escolhida, criando o cenário (e ajudando a dar o clima) de cada canção.
     Artista ampla, dessas que entra nas canções com a profundidade de atriz, Fafá alia o talento à cidadania. Quando fala, é com propriedade que o faz. Elegante e incisiva, sem citar nomes, critica o atual governo, que “se ajeita e faz acordos com o estrangeiro, mas não apoia a cultura aqui, no Brasil”. Fafá é categórica ao dizer: “nós, artistas, somos trabalhadores, não somos vagabundos como andam dizendo” – e alerta sobre a necessidade de união popular, para que “o povo não fique a mercê dos que estão lá em cima”. O mote do show, a mensagem que fica, é essa, de que o Brasil é grande e não faz sentido nenhum que estejamos divididos.
     Escolhido a dedo, o bis reforça o discurso da cantora, que alia graça e garra ao entoar os versos de Chico da Silva: “O velho comunista se aliançou ao rubro do rubor do meu amor”, seguidos pela canção-arremate, de Lulu Santos, que evidencia a defesa da união na diversidade: “Consideramos justa toda forma de amor”.
     Para alguns, a expressão “que tesão de show” pode invocar censura – que jeito chulo, que exagero, que isso, que aquilo... Mas acontece que, hoje, o tesão em si tornou-se manifestação de resistência. Então, para que disfarçar o inegável em malabarismos linguísticos?
     Que tesão de show.

Paulo Roxo Barja