Foi por volta dos 15 minutos de jogo. O zagueiro adversário simplesmente empurrou Neymar, arremessando-o contra o alambrado e as câmeras da imprensa. Em seguida, claro, o brutamontes resolveu se fingir de bonzinho e estendeu a mão, mas o jogador brasileiro nem viu. Estava olhando o futuro.
Um minuto depois, Neymar recebeu na área e fez, num chute de primeira, o gol do Brasil. É assim que ele responde às pernadas: com lirismo. E lirismo de uma eficácia mortal.
Mas os Camarões ainda não estavam mortos e enterrados. Muito pelo contrário: logo em seguida foram para a frente, meteram uma bola na trave e, segundos depois, empataram o jogo.
Empate útil: serviu para evidenciar os erros de posicionamento da defesa do Brasil, as falhas de marcação. Isso sem falar em Marcelo, o saltimbanco trapalhão. Desde que fez aquele gol contra nos minutos iniciais da Copa, continua perdido. Enfim...
Após o empate, todos viram Neymar se aproximando para conversar com Felipão à beira do campo. O técnico do Brasil fazia gestos e caretas. Minha dublagem para a cena:
– Poxa, professor, quer dizer que agora vou ter que fazer outro?
– E o que é que EU posso fazer? Vai você, garoto!
Um minuto depois, Neymar chegou na entrada da área com a bola dominada, cortou o zagueiro e fez outro golaço. Daí em diante foi a torcida em festa até o intervalo. E ali, antes do retorno a campo, houve a cena-resumo da ópera: um jogador da seleção de Camarões foi até Neymar e pediu a camisa do craque – que atendeu na hora. Simples, tranquilo, feliz.
Que seja um exemplo para todos nós na vida. Tomar empurrão é muitas vezes inevitável, reagir é absolutamente natural – mas saber superar beira o sublime.
Acontece assim: o gênio esbanja desprendimento e generosidade. O craque joga para a equipe e ajuda a equipe a jogar. No segundo tempo, saiu enfim o primeiro gol de Fred (nosso centroavante, ou seja, aquele que é pago para fazer gols). Alívio e alegria geral da plateia e do time. Todos festejam. São essas comemorações, aliás, que vão aos poucos dando a aura de time, de conjunto e, ouso dizer, de Brasil para a seleção.
Com o jogo decidido, e percebendo o tamanho dos jogadores de Camarões, o técnico brasileiro tirou Neymar do jogo. Tirou também Hulk e Paulinho, que estavam mal e foram substituídos por Ramires e Fernandinho. Quanto a este último, garanto que muitos estranharam: “Quem? Mas nem no álbum de figurinhas da Copa esse tal de Fernandinho aparece!”
O fato é que o autofalante do estádio transmitia o resultado parcial do outro jogo do grupo e o México vencia a Croácia por um a zero, dois a zero, três a zero... epa! Empate no saldo de gols entre México e Brasil. Era urgente fazer mais um gol.
Acontece assim: o craque, mesmo após a substituição, continua em campo. Inspira os companheiros e a torcida. E foi um inspirado Fernandinho que fez o quarto gol brasileiro (agora, se alguém perguntar quem é Fernandinho, já dá para responder: “aquele do quarto gol”).
No meio da euforia, ainda tive a sensação de que seria bom olhar o jogo do México. Mudei de canal (sob protestos da plateia presente) bem na hora do gol da Croácia, que reduzia o saldo mexicano e sacramentava o Brasil como líder do grupo.
Um comentário pós-jogo:
Quando o jogador é craque mesmo, é um perigo fazer dois gols numa só partida. Corre-se o risco de esquecer as dezenas de jogadas geniais do sujeito e falar só dos gols. Não vou cometer esse pecado aqui: o que o Neymar fez nesse jogo é coisa de lenda, seja curupira ou saci pererê. Só faltou dar nó em pingo d´água. Após o jogo, um locutor comentava os gols do Neymar dizendo: “coitados dos zagueiros”. Discordo. Na minha opinião, feliz do zagueiro que teve a honra de ser driblado pelo Neymar – pode até pedir a camisa dele para guardar de lembrança.
P.S.: Nos outros jogos, deu o esperado: 1) Holanda 2, Chile 0, placar definido apenas nos últimos 15 minutos, quando a Holanda resolveu jogar de verdade; 2) Espanha 3, Austrália 0, despedida algo melancólica dos ex-campeões mundiais, valorizada pelo belíssimo gol de Villa, de letra.
23/junho/2014
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