(“Os
Gigantes da Montanha” e o Grupo Galpão)
Fui ao teatro (re)ver o Grupo Galpão e saio com a
impressão de que a beleza na Arte, a partir de um certo ponto, ultrapassa o próprio
limite das palavras. Paradoxo: ainda assim, sou impelido a escrever. E por
razões objetivas: no Brasil de 2017, é preciso assistir “Os Gigantes da
Montanha”, montagem do grupo para o texto de
Luigi Pirandello.
Sim, vivemos num tempo em que a beleza chega a
adquirir conotação subversiva - principalmente quando aliada à excelência da
representação. Para dar um exemplo: a caracterização antológica do ator Paulo
André como personagem feminina na peça é capaz de ofender certas “pessoas na
sala de jantar” (como diriam os Mutantes). Pior para os que se ofendem. Nestes tempos
difíceis, em que setores (ultra)conservadores chegam a pedir censura a
exposições e apresentações artísticas (na verdade “exigem”, o que apenas explicita
seu caráter autoritário), é reconfortante ouvir o Galpão emendar o final de uma
das músicas com a exclamação: “Censura não!”
Pirandello morreu às vésperas da Segunda Guerra
Mundial. Certamente compreendia os graves tempos que estavam por vir. Poucos
anos depois, Walter Benjamin passou a alertar sobre a mudança de percepção que
se operava nas pessoas a partir da reprodutibilidade técnica nas obras de arte.
Pois bem: o teatro nunca se curvou à mera reprodutibilidade. O acaso sempre
está presente, e por isso mesmo a aura nunca se perde. Curioso: um seriado famoso
na TV dos anos 1990 avisava que “a verdade está lá fora”. O Galpão viaja pelo
Brasil confirmando que “sim, a verdade está AQUI fora” – e é tanto mais
impactante quanto mais se revela através do registro de fábula.
A cada época, seus desafios. Temos os nossos, e
não falo (só) de manter as contas em dia: trata-se de lutar inclusive pelos
direitos mais fundamentais. Nos últimos tempos, a imprensa (!!) tem dado espaço
a políticos que defendem abertamente a imposição de limites à liberdade de expressão,
propondo inclusive sanções e multas aos libertários. Pois bem: no passarán, caros censores! Temos a
fábula. E fábulas como a de Pirandello prestam-se a múltiplas interpretações e
questionamentos; ler, ouvir, cantar e representar são atitudes que enriquecem a
própria experiência humana.
Voltando à peça: logo no
início, quando a brancaleônica trupe mambembe perambula em busca de um lugar
para apresentar seu espetáculo, ficamos sabendo que fantasmas não assustam artistas.
Na verdade,
a
Arte faz ponte
entre
o pleno Aqui-Agora
e o reino do Além.
A última cena, aquela que Pirandello contou mas
não escreveu, trata do embate dos artistas com os Gigantes. Que não são
propriamente gigantes, o texto explica: trata-se de pessoas que chegaram “no
alto da Montanha” com muito esforço, mas que, na caminhada, embruteceram,
tornaram-se de certo modo insensíveis – esquecerem-se, talvez, de sua própria humanidade.
Culpa do Empreendedorismo ou da Meritocracia? A peça estimula fortemente a
reflexão, neste momento em que artistas, buscando seu lugar na praça, são
pressionados a se converterem em “empresas de um homem só” (as MEIs).
A peça, escrita na década de 1930 e montada pelo
Galpão em 2013, torna-se ainda mais atual agora. Os artistas, armados de figurinos,
vozes e sonhos, caminham para se apresentar diante dos Gigantes. Retroceder?
Nunca. Temer? Jamais.
Ao fim da peça (na verdade, o fim ainda está por
escrever), resta-nos agradecer ao Galpão pelo exemplo dado nestes primeiros 35 anos
de sua trajetória: sem concessões, dando sempre coerência aos nossos sonhos.
Até mesmo depois do espetáculo: nesta cidade que um dia abrigou o Pinheirinho
(invadido e desocupado por Gigantes da Montanha fardados), passavam das dez da
noite quando encontramos os atores saindo do teatro. Cansados, após mais uma
jornada de belezas, eles nos mostram que, sim, sempre há tempo para um abraço. E
que ninguém ouse censurar o afeto, que é e sempre será revolucionário.
É
preciso que sonhemos,
principalmente
acordados;
que
encaremos os Gigantes
(na
rua e até no Senado)
e
saibamos exprimir
com
Arte o nosso recado.
P.R.Barja
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