Recebi um
email repassando “argumentos do prof. Adilson Dallari” a favor da redução da
maioridade penal. Infelizmente (mas não surpreendentemente), o autor do email
não revela os emails dos demais destinatários, impedindo assim que se abra um
debate real. Por esta razão, tomo a liberdade de trazer a discussão para este blog:
Quem perde e quem ganha com a redução da idade
mínima de responsabilidade penal?
1) Primeiro
argumento falho do prof. Dallari:
“A
Constituição Brasileira (...) reconheceu expressamente que aos 16 anos o menor
tem plena capacidade de discernimento, a ponto de poder eleger todos os
mandatários políticos (...) Logicamente, em termos de lógica formal, algo não
pode SER e NÃO SER ao mesmo tempo. Assim, ou bem se tira a capacidade eleitoral
ou se confere a responsabilidade penal.”
Resposta:
- Em
primeiro lugar, o sr. coloca em pé de igualdade duas questões diferentes (e independentes):
maioridade penal e voto facultativo para cargos eletivos. Vejamos apenas alguns
aspectos cabais dessa diferença, demonstrando a clara ASSIMETRIA da lei no que
se refere à maioridade:
a) Maiores
de 18 anos são OBRIGADOS a votar, enquanto os menores (a partir dos 16 anos) têm
o direito de ESCOLHER se querem ou não votar;
b) Mais grave
que isso: menores PODEM eleger todos os mandatários políticos, porém NÃO PODEM
ser eleitos para nenhum desses cargos!
Só isso já
é o suficiente para se pensar, não é? Porém, como físico, preciso também me
contrapor ao uso da lógica formal aqui. De fato, a lógica formal jamais poderá
ser utilizada como critério da verdade, uma vez que é possível chegar a
conclusões absurdas utilizando lógica formal. Tudo depende dos pontos de
partida, sobre os quais muitas vezes não há concordância alguma. Em alguns
casos há mesmo uma concordância quanto à FALTA de validade das premissas
iniciais, porém a lógica formal é insensível à mentira e permite concluir que “as
baleias voam”, só para citar um exemplo pescado rapidamente na internet. Em
resumo: lei alguma, decisão alguma deve ser baseada simplesmente na (muita
vezes falsa e errônea) lógica formal.
2) Segundo
argumento falho do prof. Dallari:
“A
capacidade política aos jovens de 16 anos foi um golpe do PT, pois o jovem
tende a ser generoso, se preocupa com a desigualdade e acaba acreditando nas
maravilhas do socialismo. Só com o amadurecimento e a experiência ele vai
perceber o engano, mas até aí já votou várias vezes no PT.”
Resposta:
a) EPA! Aqui
o sr. está francamente NEGANDO ao jovem sequer a possibilidade de ter “amadurecimento
e experiência” suficientes para votar “bem”, na sua opinião? Lamento informar
que o sr. acaba de se contradizer em relação ao ponto principal da discussão
colocada pelo sr. mesmo no item anterior. Brincando, eu poderia até dizer que “encerramos
o jogo aqui”. Mas há muito a se dizer, ainda;
b) O sr. acha
mesmo que “generosidade” e “preocupação com desigualdade” são ENGANOS? Só posso
lamentar pelo sr.;
c) O sr.
acha mesmo que os jovens de 16 anos são “petistas por natureza”? Conheço um
bocado de gente da juventude tucana que vai ficar brava com o sr. por isto.
Conheço também a juventude anarquista de minha cidade, com a qual me
identifico, e que deve estar rindo do sr. nesse exato momento;
d) O sr.
realmente acredita que o PT, como um todo, ainda é francamente socialista? Parabéns,
o sr. crê mais no PT do que uma parte dos eleitores do partido, que se move por
questões mais imediatas e concretas do que “ser ou não ser socialista”.
e) O sr.
sustenta que só os imaturos e inexperientes votam no PT? “Depois percebem o
engano...” – Lamento, sr., mas minha mãe e a maior parte dos docentes
universitários com os quais convivo diariamente desmentem sua afirmação. Não
estou julgando partido algum aqui, apenas mostrando a falha do seu argumento.
3) Terceiro
argumento falho do prof. Dallari:
“Quem não
foi socialista na juventude, não tem coração; quem permanece socialista na
maturidade, não tem cérebro.”
Resposta:
Como diria
Itamar (o compositor, não o ex-presidente), “Chavão abre porta grande...” – com
a triste reprodução deste chavão aqui, o sr. diz, de uma só vez:
a) que a
juventude de direita não tem coração;
b) que
socialistas experientes não têm cérebro;
c) pior de
tudo: que anarquistas não tem nem cérebro nem coração.
Puxa, o
sr. não deve ter coração para falar desse jeito...
4) Quarto argumento
falho do prof. Dallari, acompanhado de um acerto (que bom!):
“Alguém
duvida que os jovens delinquentes, revoltados, que se consideram vítimas da
sociedade e que não respeitam os valores burgueses (como vida e propriedade)
são potenciais eleitores do PT? (...)
“Tudo bem:
eu até concordo que o mais importante seria desenvolver MUITO a educação, mas
uma coisa não impede a outra. Educação e responsabilidade não são
incompatíveis: ao contrário: são complementares.”
Resposta:
Juntei o
quarto item com o primeiro acerto para não ter que dizer “vamos para o quarto”,
uma vez que não pretendo correr o risco de ser mal interpretado (eu até
dividiria com o sr. uma mesa de bar, mas nunca um quarto).
Creio que o
sr. comete um erro grave ao afirmar que a VIDA é um “valor burguês”. Não,
prezado sr., a VIDA é o mais alto valor humano, independentemente de corrente
política ou partidária. Talvez isso até o surpreenda, mas essa verdade vale
para os pobres, os burgueses e os ricos aos quais os burgueses servem.
Finalmente,
sobre educação e responsabilidade serem complementares: CONCORDO! Acho
inclusive que são uma única e mesma coisa. Como exigir responsabilidade de uma
criança de 2 anos, por exemplo, se lhe falta educação? Ainda quanto à
responsabilidade, sugiro ao sr. o estudo da prática da “justiça restaurativa” –
essa, sim, é uma prática que educa, dando responsabilidade. Bem melhor que esquecer
os maiores e menores problemas numa cela e esperar que ocorra um milagre.
Atenciosamente,
Paulo
Barja