31 de janeiro de 2014

A POESIA NA CANÇÃO (ou “Há Poesia na Canção ?”)

(artigo publicado originalmente na edição de Março/2000 da Revista SINPRO CULTURA)

A poesia e a música têm andado de mãos dadas nos últimos 1000 anos – embora nos dias de hoje nem sempre seja fácil encontrar provas disso. Através dos meios de comunicação, temos sido bombardeados com produtos que, com alguma boa vontade, podem até ser classificados como música, mas certamente não podem ser confundidos com poesia.

Na Idade Média, havia compositores empenhados justamente em buscar a fusão perfeita entre poesia e música. Eram os trovadores, particularmente numerosos na França (a palavra trovador vem da língua francesa e significa “aquele que encontra”). Por exigir um elevado grau de instrução, o ofício dos trovadores era uma alquimia reservada a poucos – a grande maioria deles pertencia à nobreza.

Com sua poesia refinada, pode-se dizer que os trovadores criaram o que hoje se conhece como “canção de amor”. Seus poemas cantados também são um relato fascinante da vida na Idade Média. Além de cantar o amor, os trovadores se exercitavam na crítica de costumes (como nas peças satíricas do manuscrito Carmina Burana) e também se dedicavam à fé (as Cantigas de Santa Maria, conjunto de mais de 400 canções compostas no reinado de Alfonso X, relatam milagres atribuídos à Virgem, num pioneiro uso da música como marketing religioso).

Com o passar dos séculos, a música continuou presente na pena de escritores como Shakespeare, que compunha letras de canções para suas peças. Outros nomes importantes da literatura universal, como Garcia Lorca e Mário de Andrade, chamaram a atenção para a rica poesia encontrada nos cantos folclóricos de seus países. Assim, uma coisa parece certa: poetas gostam de música.

A ligação entre os poetas e a música pode ser comprovada pela frequência com que muitos chegam a lançar gravações recitando ou mesmo cantando acompanhados por músicos. É curioso, mas nem sempre funciona. Nesses casos, melhor que ouvir os autores é procurar gravações dos poemas declamados por atores, normalmente mais experientes em evidenciar a música interior de cada poema.

Os músicos também gostam de poesia. Maria Bethânia, aquela que talvez seja a maior intérprete da música popular brasileira, sempre incluiu em seus shows trechos de poemas (especialmente de Fernando Pessoa). Artistas como Bethânia dão valor literário ao canto: compreendem que música e poesia são formas complementares para expressar nossos sonhos e dramas.

No Brasil, talvez o maior caso de amor entre um poeta e a musa música seja o de Vinícius de Moraes. Vinícius, que teve o mestre Tom Jobim como parceiro, chegou inclusive a ser considerado um dos “músicos do século” em concurso promovido por uma revista brasileira no ano passado. Talvez esse tipo de confusão (Vinícius não era músico !) sirva para comprovar a simbiose às vezes conseguida entre música e poesia.

O fato é que uma característica fundamental da poesia é apresentar um ritmo próprio, uma cadência que pode ser percebida naturalmente quando a obra é lida em voz alta. Poesia tem tudo a ver com sonoridade. Em outras palavras, um poema sempre contém música. O inverso não é necessariamente verdadeiro: há mesmo canções que são monumentos de grande beleza sonora, embora compostas a partir de poesia pobre. Por outro lado, compor música a partir de boa poesia também não garante a qualidade da canção. Precisamos, aqui, fazer uma distinção entre a boa letra de música e a poesia na música. Claro, é uma distinção subjetiva; será que poderíamos estabelecer um critério para encontrar essa diferença? Proponho um exercício simples: recitar a letra da música. Se ainda houver ritmo, se a letra não perde a beleza e o interesse sem o auxílio da melodia, então estamos falando de poesia.

Não há forma ou movimento musical  privilegiado para a difusão da poesia: ela pode aparecer tanto nas canções de Kurt Weil quanto em rocks vigorosos como os cantados por Morrisey, o bardo inglês que liderou o grupo The Smiths nos anos oitenta, passando pelas sagas narrativas de Bob Dylan (agora Nobel, mas poeta desde sempre). Em Portugal, as cantoras Eugénia Melo e Castro e Mísia se empenham em resgatar a união entre poesia e música. A primeira chegou a gravar um CD dedicado à obra de Vinícius de Moraes, enquanto Mísia colocou música em poemas de mestres como Drummond e Fernando Pessoa, entre outros. No Brasil, a poesia pantaneira de Manoel de Barros já virou música nas vozes de Tetê Espíndola e Cátia de França.

Um belo exemplo de união entre poesia e música pode ser encontrado no disco sugestivamente o Zona de Fronteira, do trio João Bosco, Waly Salomão e Antônio Cícero. Também Adriana Calcanhoto já compôs a partir de poemas de autores variados. O grupo Secos & Molhados, porém, merece destaque: nem todos sabem que vários de seus sucessos eram “parcerias” com poetas famosos, de Manuel Bandeira a Oswald de Andrade.

Ainda hoje, podemos encontrar compositores que trabalham com extremo refinamento tanto a poesia quanto a música, na trilha dos trovadores medievais. Nesse sentido, há trinta anos Caetano Veloso é provavelmente o maior trovador brasileiro. Reconhecido como cantor por muitos, conhece poesia como poucos. Chico Buarque também domina a arte trovadoresca de combinar som e sentido, canto e poesia. Quanto aos compositores da nova geração, temos hoje Zeca Baleiro, Chico César e tantos outros que, se não são poetas, ao menos são bons letristas – o que já não é pouco. E temos Arnaldo Antunes, verdadeiro poeta pop. É, fazendo as contas, até que há bastante poesia na canção popular brasileira. Ainda bem.

- Paulo Barja

19 de janeiro de 2014

Borboleta de um só dia

(feito há 20 anos... e compartilhado agora, neste período entre o fim das férias e o início do carnaval)


Haikai 1 (2014)


Mineiros desejos:
que nunca me faltem queijos
...e que sobrem beijos!

(P.R.Barja)

15 de janeiro de 2014

SEM MISTÉRIO (um causo de estatística escolar)


Era uma vez um professor de estatística que, ao final do ano, disse:
- Atendi 54 alunos na minha sala de aula, que tem 48 carteiras...
- ... nenhum aluno ficou em pé durante as aulas...
- ... e nunca pedimos carteiras emprestadas!!!

E aí, como se explica isso?

Estatística & Cidadania (III) - Analise, em vez de desprezar os dados



   Em vez de desprezar os dados, devemos sempre exercitar a análise crítica. Não se pode realizar um levantamento estatístico "querendo muito provar que se está certo" porque, em última análise, isso pode levar pessoas a conclusões bastante equivocadas. 
   Segue um exemplo de duas notícias (divulgadas nesta semana, em sítios da internet e imprensa falada e escrita) e duas leituras dos mesmos dados:

Informações:
1) Desemprego cai para 5,3% em agosto
2) Bolsa Família passa de 3.583.000 famílias assistidas em 2003 para 13.751.000 em 2013

Interpretações:
1) Gente adepta do "quanto pior, melhor" tem reclamado por aí contra esses dados. A acusação: estas seriam notícias contraditórias, pois o aumento de bolsas seria tradução do aumento do desemprego. Assim, estes "opositores das notícias" concluem que "os dados não são confiáveis e ao menos um deles deve ser ser "engodo" (sim, foi essa a palavra que li).
2) Bem mais simples: o nome disso é INCLUSÃO SOCIAL. Temos mais pessoas empregadas e menos pessoas alijadas da sociedade.

Discussão:
Antes de mais nada, é bom dizer que as duas notícias estão associadas ao conceito de derivada, importantíssimo em Cálculo e que representa a taxa de variação.
Por definição, a inflação é a taxa de variação do preço ao longo do tempo*. Assim, "inflação zero" obviamente não significa nada de graça (ah, quem dera...!), mas simplesmente quer dizer que não ocorreu variação de preço no intervalo de tempo considerado.
Já sobre o número de famílias atendidas num programa, uma informação importante diz respeito, também, à variação: se o programa foi mantido, ampliado ou reduzido ao longo da década (a notícia se refere ao período 2003-2013).
   Como o número de atendidos em 2013 foi maior do que o atendido em 2003, temos o que se chama de derivada positiva: ampliação do programa ao longo da década.
   Defender a tese do "engodo" é ignorar uma diferença fundamental na escala de tempo dos dados...! Vejamos:
- A notícia 1 refere-se a uma escala MENSAL
- A notícia 2 refere-se a UMA DÉCADA.

Sempre há quem goste de ajustar os dados à sua própria visão das coisas. Chega-se ao cúmulo de sugerir desprezar os dados...! Nas nossas aulas de Estatística aprenderemos a NÃO desprezar os dados e fazer, SIM, análise crítica. Abraços!

Paulo Barja

* derivada negativa, em inflação, significa redução de preços - a chamada DEFLAÇÃO. É algo particularmente comum quando se trata de produtos agrícolas entrando em fase de maior produção: "o preço do tomate caiu 20%" e assim por diante. Tentem comprar morango em julho e em dezembro e avaliem se há ou não diferença no preço...

14 de janeiro de 2014

Um poema libertário de Walt Whitman

... em tradução feita do alto dos meus 19 anos e esquecida por mais tempo ainda nas gavetas da memória. Encontrei-a agora e publico por aqui, tal como feita na época:


Estatística & Cidadania (II) - Corrigindo um gráfico

Semana passada, causou estupor o gráfico apresentado de modo distorcido no programa Conta Corrente, da GloboNews. Feito sem escala, apresentava a inflação anual do Brasil segundo o IPCA divulgado pelo IBGE. Os valores divulgados estavam corretos, mas o gráfico sem escala mostrava absurdos como, por exemplo, 5,91% aparecendo acima de 6,5%!
Segue a versão corrigida que fiz naquela data, de modo bastante simplificado (usando o programa Word):

13 de janeiro de 2014

Estatística & Cidadania (I) - Imposto de Renda no Mundo

   Um rápido balanço destes primeiros anos de atividade aqui no blog mostra que poesia é a palavra-chave mais frequente (sempre esteve entre as 3 primeiras). Até aqui, nenhum reparo a fazer, já que poesia cabe perfeitamente dentro de Arte e Cidadania (lema/tema do blog).
   No entanto, considerando que sou professor (de Estatística Básica, inclusive), a partir de agora pretendo postar por aqui também dados/tabelas/gráficos que sirvam como base para discussões sobre Cidadania.
   Neste espírito, começo disponibilizando uma tabela com algumas das maiores alíquotas de Imposto de Renda no mundo (dados de dez/2013). O tema é interessante à medida que se alastra, por todo o mundo e no Brasil, a discussão sobre taxações adicionais de grandes fortunas (que permitiriam, por sua vez, reduzir significativamente a carga de impostos sobre as classes média e baixa).


   É importante (essencial, eu diria) ressaltar que, em boa parte destes países, a alíquota máxima só atinge uma porcentagem realmente pequena da população. Em particular, no caso da proposta mais radical de taxação até 2013 (a francesa, com 75% de alíquota), esta porcentagem só é aplicável a 1500 pessoas físicas na França (cuja população beira atualmente os 70 milhões de habitantes): cerca de 0,002% por cento da população!
   Complemento a postagem com relatos resumidos de duas iniciativas (ocorridas nos EUA, vejam só!) no sentido de aumentar a alíquota do imposto sobre "mega-ricos" (a leitura dos textos a seguir deixa claro o assunto). 
   Esclareço que a escolha de exemplos americanos é proposital e serve para evidenciar o fato de que a campanha pela redução das desigualdades sociais é universal e, ao contrário do que muitos pensam, não está necessariamente associada a comunismo, socialismo, anarquismo & outros "ismos".



1 de janeiro de 2014

Obrigação & Proibição (pra se pensar)


Dois relatos pessoais, bem simples: 

1) quando meu pai me obrigou a estudar um ano de piano, ele não me colocou alternativa... ele simplesmente me proibiu de faltar às aulas no primeiro ano. Depois, eu poderia fazer o que quisesse, foi esse o trato. Isso faz dele um mau pai?

2) quando minha filha era pequena, criei uma proibição em casa: Xuxa, nunca! Nem TV, nem cd, nem dvd... nem nas festinhas de buffet pagas por mim... isso faz de mim um mau pai?

Quero com isso relativizar as ideias de que “toda proibição é burra” e “toda obrigação é opressora” – nem sempre, acho... “Disciplina é liberdade”, como dizia Renato Russo, guru pop de (mais de) uma geração. Pois é...
P. R. Barja

P.S.: 1) hoje adoro música e não consigo pensar minha vida longe do piano; 2) a menina que foi proibida de ouvir Xuxa e estimulada a ouvir muitas outras coisas hoje é uma apaixonada por ópera...