12 de março de 2021

"Os tempos... eles estão mudando" (uma versão da letra de Dylan)

 Encontrei a desculpa ideal pra seguir burilando versões em português de letras do Bob Dylan: "ah, estou estudando um prêmio Nobel", haha! Bom, aí vai:

OS TEMPOS... ELES ESTÃO MUDANDO
Bob Dylan
/ versão em português: Paulo Barja


Junte seu pessoal, onde quer que eles estejam
Admita: as águas subiram e tudo irão inundar
Aceite: logo você estará encharcado até os ossos
Por isso, pra ganhar tempo, comece logo a nadar
Ou vai afundar como pedra:
os tempos estão mudando

Venham, cronistas e críticos, vocês, profetas da pena
Mantenham os olhos abertos, talvez não haja outra chance
Não sejam tão apressados: a roda ainda está girando
Não temos certeza ainda sobre qual o último lance.
Aquele que havia perdido, mais tarde vencerá:
os tempos estão mudando

Senadores, congressistas, escutem logo o chamado
Não se aglomerem na porta, não entupam o corredor
Pode até se machucar quem tentar nos impedir
A batalha é aqui fora, ouçam: é assustador
Podem trincar as janelas, podem ruir as paredes:
os tempos estão mudando

Mães e pais de toda a Terra, venham, mas não critiquem
O que está na sua frente e vocês não compreendem:
Suas filhas e seus filhos não seguem mais seus comandos
A estrada trilhada outrora já está apodrecendo
Se não podem ajudar, fiquem no acostamento:
os tempos estão mudando

A linha já foi traçada e a maldição foi lançada
Parece arrastado agora; mais tarde será veloz
Tal como o presente agora mais tarde será passado
A ordem rapidamente se esvai no meio de nós
Quem está no topo agora será o último depois:
os tempos estão mudando

2 de novembro de 2020

IDADE REAL

        A caminho de completar 50 anos, vejo-me no elevador do prédio com duas crianças (de seus 7 e 9 anos, acho), filhas de amigos queridos. Iam encontrar a família no térreo para passear. Ficamos conversando (naqueles breves segundos leves e felizes) e arrisco a brincadeira:

     - Acho que vou fugir do prédio e passear com vocês, nem vou avisar ninguém!

     A mais nova me repreende, rindo:

     – Você não pode fazer isso, sabe por que? Só adultos fazem isso!

     Surpresa. Pergunto então:

     - Mas eu sou adulto ou criança?

     - Você é criança, ué!

     O mais incrível é a absoluta segurança com que ela fala isso, achando engraçado eu mesmo não perceber que, afinal, sou criança.

     Antes de sair, ainda comento:

     - Ah, eu já to quase careca...!

     A pequena acha graça de novo – e responde na lata:

     - Isso é porque você é MENINO!

     Ganhei o dia, a semana com essa aula: definitivamente, elas são mais atentas – e sabem mais do que a gente.

27 de maio de 2020

Gráficos da COVID19 no Brasil

A seguir, apresento diversos gráficos referentes ao período de 24/3 a 26/5 da COVID19 no Brasil. Todos estes gráficos foram por mim construídos apenas a partir dos dados oficiais. No entanto, nossa estimativa atual diz que o número real de casos em território nacional hoje pode ser nove vezes maior do que o indicado oficialmente, e o número real de óbitos pode ser quase o dobro do divulgado oficialmente. Vamos aos gráficos (tentei deixar os títulos autoexplicativos) :





     Este último dá algum alento: a letalidade parece estar começando o "caminho da descida" até um valor esperado em torno de 1%. Fazendo a projeção, dá para supor que a pandemia estará sob controle por aqui até final de julho. 
     Dois pontos a levar em consideração:  1) essa perspectiva parte da ideia de que o isolamento seja mantido ao longo de junho e julho, mesmo que em nível parcial (atividades nas escolas, nem pensar) ;  2) mesmo "sob controle", podemos chegar no final de julho ainda com centenas de mortes diárias, uma vez que os casos se arrastam pelo tempo (assim como os exames, que possuem uma "janela" às vezes de vários dias entre a realização e o resultado). 
Paulo Barja

19 de maio de 2020

Um Simples Galpão (sobre o Galpão Estação Cidadania)


daqui a 80 anos
nas ruínas de São José
ninguém saberá daquela via
tragada pelo rio
nem daquela outra
em desuso, abandonada
disso tudo
 afinal
  restará
   quase nada
e quem se lembrará
daquela (in)vencível ponte
que tanto enfeiava o horizonte?

mas o rio
tenho esperança
será testemunha
viva

daqui a 80 anos
alguém achará estranho
encontrar as fundações
do projeto equivocado
que começou
a ser erguido
do lado errado

bem perto dali
a árvore mais antiga
ainda oferecerá
sombra amiga

daqui a 80 anos
quem se lembrará
do pleito que elegeu
um bando de vereador
e um (in)certo prefeito...
qual o nome do sujeito?
tento lembrar
não há jeito
- bem feito.

mas haverá
ainda e sempre
o som de uma flauta
e sua melodia incauta
que fará renascer eterna dança
nos pés espevitados de criança
haverá
ainda e sempre
um sorriso bordado em cores vivas
a força da mais bela narrativa

e cada um de nós
que por lá tiver passado
já terá deixado aos filhos
e aos filhos dos filhos
o caminho dos trilhos
a arte como oração
a artesania
daquele simples Galpão
Estação
Cidadania

(Paulo Roxo Barja, para todos os artistas do eterno Galpão Estação Cidadania)













Todas essas fotos ilustram apenas alguns dos tantos momentos de Cultura e Arte proporcionados pelos atuantes artistas e parceiros do Galpão Estação Cidadania - que foi desocupado à força e destruído pelo poder público apenas fisicamente, mas permanece em nós como símbolo de espaço livre para o exercício da cidadania plena.
Saibamos seguir em frente nessa trilha, sempre!

14 de maio de 2020

Matéria - Subnotificação da pandemia em São José dos Campos (com áudio)

O link a seguir apresenta matéria publicada no site da Rádio Piratininga após entrevista/bate papo realizado em 13 de maio na rádio. A matéria apresenta parte das minhas declarações, em áudio com o que consideraram os principais trechos:

Matéria sobre isolamento social - jornal "O Vale"



No link abaixo, matéria do jornal "O Vale" incluindo um gráfico e comentários nossos sobre a taxa de isolamento em função do dia da semana:

12 de maio de 2020

VÍDEO: Por que usar máscaras durante a pandemia?

Explicação matemática (e simples!) para a recomendação de que todos usem máscara ao sair de casa durante a pandemia COVID19:



Matéria do site "Meon" sobre nossa estimativa a respeito dos números da pandemia em SJC

Em 11 de maio, foi publicada no site 'Meon" uma matéria a respeito de nossas estimativas para o número de casos da pandemia COVID19 em São José dos Campos. Confira no link a seguir a matéria completa:

Panorama da Pandemia (com foco no Brasil)


Algumas observações sobre a pandemia COVID19 no Brasil:

1) Em todos os países, espera-se uma curva com formato de sino para o número de casos diários;

2) Esse sino tende a ser simétrico; assim, quanto mais demora pra subir, mais demora pra descer;

3) Em vários países, temos BOA margem de segurança para prever, pois a curva de casos diários já está descendo;

4) Mas (e esse é 1 grande "mas"), na segunda semana de maio, a curva de casos diários no Brasil parece ainda estar subindo

5) Deste modo, ainda não dá pra saber exatamente quando desce ou quando "acaba". Se parar de subir agora, com 2 meses de COVID19 comprovadamente no Brasil, a tendência é que a situação esteja controlada no início de julho.

6) No entanto, nossa grande questão no momento é saber "até onde isso a COVID19 vai crescer e se espalhar aqui no Brasil?"

7) Minha dica (não é previsão, só dica mesmo) é olhar atentamente a curva dos EUA...

8) Estamos umas 3 semanas atrasados em relação aos EUA. Assim, quando começar a cair o contágio por lá, estará se aproximando também a redução aqui, mas com essas 3 semanas de atraso.

Há muitas diferenças entre os 2 países, no entanto:

1) Somos MELHORES do que eles em termos de Saúde Pública - O SUS aqui é BEM melhor que o sistema deles...!
2) Por outro lado, a chegada do frio nos prejudica (enquanto eles estão saindo da pior época em termos de clima, nós estamos chegando)

Sigamos atentos. Siga em casa o máximo de tempo possível.

Paulo Barja

10 de maio de 2020

Matéria do jornal "O Vale" sobre a estatística da pandemia em São José dos Campos

Esta semana, fomos procurados pela equipe do jornal "O Vale" para falar sobre a estatística da pandemia de COVID19 em São José dos Campos e região.

O resultado foi a boa matéria do Xandu Alves, disponível na íntegra através do link:

Número de Casos de COVID19 em São José - Pesquisa UNIVAP

7 de fevereiro de 2020

Diálogo sobre o salto do artista

(à memória do músico Almir Mello)

P - Que quer dizer o artista
     que, ao sofrer, no auge da dor,
     salta sem a proteção da rede?
R - Quer dizer que não é justo
     um simples trabalhador
     morrer de fome ou de sede.

P - O que quer dizer o artista
     que dava tanta alegria
     e se lança assim no abismo?
R - Quer dizer que ninguém pode
     só dar e não receber:
     é cruel tal mecanismo.

P - O que quer dizer o artista
     que não busca mais aplausos 
     ao se jogar no infinito?
R - Quer dizer: vaidade é vã
     - e há jornadas solitárias.
     Assim penso. Assim reflito.

Paulo Barja

6 de novembro de 2019

Cartografia conjunta

"Relatório" (feito em cordel) sobre 1 projeto social e educativo desenvolvido por René Novaes Jr (INPE) e diversos parceiros. Viva a pesquisa social e colaborativa!


4 de novembro de 2019

VIDA SEVERINA: um espetáculo necessário


   Neste domingo pós-finados, fui ver "Vida Severina ou Tem Muita Gente Neste Barco", peça do Núcleo de Artes Cênicas do SESI SJC, composta a partir da justaposição das obras de João Cabral ("Morte e Vida Severina") e de Matei Visniec (Migraantes), sob a sensível direção de Roberval Rodolfo.
   Vou direto ao ponto: vejam a peça! O espetáculo está em cartaz no SESI SJC - e é gratuito. Muito bom. Roberval costurou 1 roteiro simplesmente brilhante: amarrou João Cabral com Visniec para discutir (i)migração.
Trata-se de 1 grupo jovem, amador - sim! E isso é mais uma razão para se acompanhar o trabalho. Há grandes valores individuais e a tendência é crescer como grupo, o que aliás já se verifica, ao longo dos últimos anos.
   A música é sempre um ponto importante dos trabalhos do NAC, merece atenção - assim como a garra, a alegria de se saber em cena para um debate importante.
   A peça em si é belíssima, um real ato de denúncia e resistência - imperdível e necessária no Brasil e na São José de hoje. Muitos saíram emocionados, mas arrisco dizer que o maior mérito do trabalho é gerar o empoderamento coletivo. Aquela sensação  de que, afinal, do lado dos humanistas, "ninguém solta a mão de ninguém". Neste sentido, acho particularmente importante que o trabalho seja prestigiado pelos colegas da classe artística.
   Vi ontem, já conto os dias para rever. Parabéns aos envolvidos. E sigamos na resistência lírica através da Arte.



1 de outubro de 2019

escola (um poema cotidiano)


pra
mim
tá na cara
a escola exagera:
40 exercícios? pra quando?
desde quando quantidade é qualidade?
"os pais gostam" - é o que alegam
sou a prova: há controvérsias
e eis que aos 15, 16
a menina estuda
manhã tarde noite
não brinca não descansa
estuda química estuda matemática
estuda história estuda geografia
estuda física e química de novo
estuda mais e mais química
sem parar nem pra comer
o estômago embrulha
vomita o almoço
é só melhorar que volta
estuda estuda estuda estuda
mas a grande lição do dia
é a que aprende em casa
não está no livro:
se for vomitar
favor utilizar
o vaso sanitário

P. R. Barja

30 de março de 2019

Fafá de Belém reunifica o Brasil


     São raros os que conseguem, mas o grande artista é assim: nos primeiros 30 segundos, conquista o público, transformando em festa os minutos seguintes. Benjamin diria que é uma questão de aura, e é bem essa a sensação que temos ao presenciar um show de Fafá de Belém. É dessas (raras) artistas que mesmo o crítico mais sóbrio tem vontade de cobrir de adjetivos: expressiva, expansiva, generosa...
     Com mais de 40 anos de carreira, Fafá de Belém impressiona nos palcos pelo talento e vitalidade. Desde os anos (19)70, a cantora vem construindo um repertório de grande versatilidade e que, justamente por sua diversidade, retrata à perfeição o Brasil. Fafá começou sua carreira cantando obras do mestre Waldemar Henrique, é presença frequente em trilhas de novela, canta (bem) Chico Buarque, deslumbra em despudoradas versões de canções brega, tem feito apresentações esporádicas com orquestra e, no show atual, privilegia as guitarradas do Pará.
     O formato da apresentação é, em si, uma aula: mescla conceitos de pocket-show (é um trio: a cantora e a excelente dupla Cordeiro nas duas guitarras) com as características de show grande, com direito a telão e, claro, a voz oceânica da protagonista. A sequência de imagens é muito bem escolhida, criando o cenário (e ajudando a dar o clima) de cada canção.
     Artista ampla, dessas que entra nas canções com a profundidade de atriz, Fafá alia o talento à cidadania. Quando fala, é com propriedade que o faz. Elegante e incisiva, sem citar nomes, critica o atual governo, que “se ajeita e faz acordos com o estrangeiro, mas não apoia a cultura aqui, no Brasil”. Fafá é categórica ao dizer: “nós, artistas, somos trabalhadores, não somos vagabundos como andam dizendo” – e alerta sobre a necessidade de união popular, para que “o povo não fique a mercê dos que estão lá em cima”. O mote do show, a mensagem que fica, é essa, de que o Brasil é grande e não faz sentido nenhum que estejamos divididos.
     Escolhido a dedo, o bis reforça o discurso da cantora, que alia graça e garra ao entoar os versos de Chico da Silva: “O velho comunista se aliançou ao rubro do rubor do meu amor”, seguidos pela canção-arremate, de Lulu Santos, que evidencia a defesa da união na diversidade: “Consideramos justa toda forma de amor”.
     Para alguns, a expressão “que tesão de show” pode invocar censura – que jeito chulo, que exagero, que isso, que aquilo... Mas acontece que, hoje, o tesão em si tornou-se manifestação de resistência. Então, para que disfarçar o inegável em malabarismos linguísticos?
     Que tesão de show.

Paulo Roxo Barja

27 de janeiro de 2019

Aos que ainda insistem em culpar um partido político por tudo

   Recebi por redes sociais (onde mais?) pseudoargumentos que tentam atribuir a um dado partido político a culpa pelo segundo crime ambiental (contra a humanidade) verificado neste 25/01/2019, em MG.
   Segue o que penso: a simples expressão "fundos de empresas estatais controlados pelo PT" é tão ficcional quanto "fundos controlados por gnomos" ou "fundos controlados por tucanos". É o tipo de falácia que não colabora em nada para esclarecer o ocorrido.
   Depois, considero insano "comprar" a ideia generalista de que "tudo isso se deve a uma quadrilha petista que inclui reitores" bla bla bla. Além de ser de um binarismo primitivista nível Bolsonaro (todos aqui podemos ir além disso, por favor), pergunto:
- Alguém aqui conhece algum "reitor petista"? Envolvido em relatórios ambientais  fraudulentos, pra completar?
   Não sou filiado a partido político algum - nunca achei um que merecesse minha confiança total, mas respeito quem seja filiado a qual sigla for. Mas já passou muito da hora de entender que PRECISAMOS (todos) tomar partido diante da questão REAL. Alguém aqui defende:
- Lucro acima de tudo?
- Uma empresa acima de todos?
   Trata-se, como há 200 anos, da (eterna) guerra de classes.  O nome do bicho é "capitalismo", e, para este sistema, desemprego e morte são consequências inevitáveis dos processos de maximização de lucros (um estudante na Cantina da Unicamp sabe explicar isso).
   Ah, sim: não nos esqueçamos de que TODA corrupção é privada. Absurdo? Não, obviedade: todo diretor de empresa, gerente, chefe de obra, capitão reformado ou deputado que desvia verba ou contrata milícia o faz em benefício pessoal, privado, particular. Desafio algum ser humano a apresentar uma única prova em contrário.
   Portanto, privatizar "apenas" acirra os ânimos e gera dividendos aqui e ali, mas jamais reduziu mortes, por exemplo.
   Tudo se trata de refletir: o que é mesmo que escolhemos para colocar acima de tudo e todos? O nome "Brasil" para mim não vale a morte de um único cidadão brasileiro. E ontem morremos muitas vezes, pois morreram muitos.

18 de janeiro de 2019

O FUTURO FUZIL

- Agora eu vou ter UM FUZIL!
   Ouvi essa frase enquanto aguardava na fila do caixa de um mercado na região central da cidade. A pessoa dizia isso ao celular; tive uma certa impressão de que chegara a levantar a voz, como se quisesse público para sua afirmação.
   Não me voltei para ver quem falava. Na verdade minha vontade era sair dali, se possível abrindo as asas e voando sem rumo, para perto das nuvens e longe dessa futura terra de fuzis.
   Não sei quem falou aquilo, nem porque falou. Mas reparei: era uma voz de mulher.

#SãoJoséDosTiros

3 de janeiro de 2019

RIR, A SÉRIO


     Lembro que uma estratégia frequente dos coxinhas era ridicularizar Dilma. Porém as falas dos "empoÇados" são muito mais propensas a revelar o ridículo que neles de fato habita. Nesse contexto, vejo com bons olhos uma postura crítica que alie lirismo (canalhas odeiam poesia) a bom humor (para sobrevivência da nossa oprimida alma). Além de tudo, soa como cobrança de coerência: riram antes, por que não agora? Por outro lado, se os ofendidos não entenderem, "tant mieux", que a prática  nos anime e aglutine e pronto.

     Percebo como real e grave o perigo da apatia da esquerda desacorçoada. Se o humor servir para acordar, já vale e muito.

     Tenho feito meus versinhos satíricos desde as primeiras horas do desgoverno. Ainda é cedo para avaliar a receptividade. Dizem que passarinho não esmorece de bicar cobra, mesmo sabendo-lhe venenosa. Sigo nas bicadinhas, ajudam inclusive a manter a forma.

P.R.Barja

27 de dezembro de 2018

BANHADO ORGÂNICO

A comunidade tem mais de oitenta anos de existência e mora em local curioso: é uma roça bem ao lado da região central da cidade. A mídia diz que há traficantes entre os moradores. O prefeito pede na justiça a saída imediata da comunidade – pretende fazer no local uma via expressa (apenas para carros) e um parque. Mas o próprio bairro já é um parque, com a vantagem da produção da agricultura familiar. A comunidade produz as melhores bananas da cidade.
Encontro pai e filho na rua, empurrando um carrinho onde vendem sua produção, quase em frente a um supermercado:
- É banana orgânica! Não tem aquele monte de produtos químicos, não.
Peço meia dúzia. O menino aponta para umas poucas bananas no canto do tabuleiro e pergunta:
- Pai, essas aqui estão meio verdes, feinhas. Vende?
- Com essas a gente faz doce, filho.
Pergunto se as bananas são do bairro ameaçado pela prefeitura. Eles confirmam:
- Sim, moramos lá.
Pelo sabor da solidariedade, acabo comprando uma dúzia.

13 de dezembro de 2018

“PARAHYBA RIO MULHER”: UMA FORÇA NECESSÁRIA


Lirismo e força: performance traz para a rua a "História além dos livros"

     “Vivemos tempos difíceis” é quase o novo “Bom dia” dos brasileiros, neste 2018 que é um agravamento de 2017, que foi, por sua vez, uma sequência dura de 2016... Mas cabe uma pergunta: desde quando estamos sendo golpeados? Não aprendemos isso na escola, mas a verdade é que a História do Brasil tem sido, desde sempre, a história de uma sequência de golpes. Ou alguém ainda acredita no mito de que os portugueses eram brancos civilizadíssimos que chegaram aqui tratando muito bem os índios, que foram auxiliados em trabalhos voluntários por negros bem dispostos vindos da África Mãe?

     Ainda hoje, a chibata é vista como recurso para uns - mas é pura dor para outros. Nesse contexto, e voltando a 2018, o mergulho (cultural, artístico) em episódios tristes da nossa história é importante para revelar caminhos de resistência. Porque, se temos uma longa história de golpes, também é verdade que temos uma longa história de resistência. Perguntem aos índios, por exemplo. Ou às mulheres fortes da Paraíba!

     Não acredito em acaso: todo encontro tem uma razão de ser. No meio da semana, no meio de tarde, no centro de São José dos Campos, eu e minha filha ficamos sabendo que haveria teatro de rua na Praça do Sapo. Como só a Arte salva (e à noite ainda haveria trabalho), resolvemos ir até a praça.

      Chegamos cedo: “Elas estão no calçadão!”

     Fomos ao encontro das moças. Percussão, voz e energia davam o toque: “tá com cara de que vai ser bom”, pensei. Foi mais: foi necessário. Sempre cantando, a trupe chega à praça, onde a própria demarcação de espaço marca o início da performance. O vermelho está presente: enquanto denunciam episódios de violência contra a mulher, as moças banham-se num rio que é de água e de sangue. E então começa uma aula ao mesmo tempo de Arte e de História – aquela que os livros não contam, ou seja, aquela que vai bem além das verdades oficiais.

     Anayde Beiriz foi uma escritora e poeta libertária, destinada a chocar a conservadora sociedade paraibana da primeira metade do século XX. Defensora ardorosa da participação feminina na política e nas artes, Anayde envolve-se amorosamente com João Dantas, líder da oposição ao então “presidente da Paraíba” (governador) João Pessoa. Em meio a um violento confronto político, Dantas se refugia no Recife, sem abandonar Anayde: o amor revolucionário é cantado em cartas, em verso e prosa. João Pessoa então manda a polícia revistar as casas dos revoltosos, buscando armas que comprovassem a preparação de uma revolta armada. Em vez de armas, a polícia encontra cartas e poemas de amor no cofre do escritório de João Dantas, na capital da Paraíba.

     Amor é crime? O material epistolar apreendido é fartamente divulgado por jornais alinhados ao governo, para atingir Dantas, que reage “na lata”: numa confeitaria recifense, mata João Pessoa com um tiro à queima roupa, sendo preso em flagrante. Anayde então vai morar num abrigo no Recife, onde visita Dantas até que este é encontrado morto em sua cela. A desculpa oficial é a de sempre: suicídio. Poucos dias depois, Anayde morre envenenada, em mais um “suicídio” assim, entre aspas.

     A violência pode assumir muitas formas.

     A força de Anayde me faz lembrar da santista Pagu, que viveu na mesma época. E em outras mulheres guerreiras, de todas as épocas. As atrizes falam de suas avós e convidam o público a falar também, para que se honre – coletivamente – a memória destas mulheres. Há espaço para lirismo e saudade. As falas finais do espetáculo retomam o caráter de resistência política ao defender publicamente a coragem de Dilma Rousseff, vítima de um processo de impeachment claramente carregado de machismo. Enquanto escrevo esse texto, multiplicam-se denúncias contra um certo eleito e seus filhos, envolvidos em atividades “pouco republicanas”. Como agirá a imprensa agora?

     A história brilhantemente contada por Cely Farias, Kassandra Brandão, Natália Sá e Jinarla Pereira fala da Paraíba, do Brasil e, em última análise, de todos nós. O grupo tem a melhor das qualidades quando se trata de teatro, principalmente na rua: as moças mostram um entrosamento perfeito. O espírito de equipe valoriza cada momento do espetáculo, visualmente belo, fortalecendo um trabalho que já é forte pelo tema abordado.

     Toda força a essas moças! Que façam mais e mais arte pelas ruas de nosso país, que anda precisando. E que a História – essa que mora além das verdades oficiais – seja sempre lembrada, para possamos resistir sempre às tentativas de silenciamento.

P.R.Barja

2 de novembro de 2018

INSÔNIA


Quem me faz perder o sono
Não são os meus inimigos.
São os meus amigos.

Passo a noite insone
Preocupado, atônito
Pelos meus amigos.

Saio pelas ruas
Buscando esperança
Para meus amigos.

Madrugada. Frio.
Na esquina, o fuzil.
Cadê meus amigos?

Recuso-me a ir
Para outro país
Sem os meus amigos.

Minha casa é bunker,
Trincheira, aparelho
Para os meus amigos.

Jamais tranco a porta.
Pode ser que cheguem
À noite, os amigos.

Faremos silêncio
Nesse tempo tenso
De poucos amigos.

O café amargo.
O abraço largo.
Abraço de amigos.

O lirismo existe
E sei que resiste
Pelos meus amigos.

Ao Deus que nos vê
Peço apenas isso:
Ampare-os. Proteja-os.

Se eu for preso, faça
Com que esqueça o nome
Desses meus amigos.

Eu nada direi.
Que meu sangue aqueça
O dos meus amigos.

Leiam Brecht por mim
E ouçam muito Chico,
Queridos amigos.

Pratiquem Boal,
exercitem Freire,
Orgulhem-me, amigos.

Canções de protesto
Mas de Amor também.
Viva meus amigos!

O amanhã virá.
Que os encontre bem.
São os meus amigos.

(Paulo Roxo Barja)

26 de outubro de 2018

Também a Academia Luta Por Democracia


Não vim da periferia
mas prezo a democracia,
por isso quero rimar
Liberdade e Igualdade,
mas também Diversidade
- isso é que vai nos salvar.

Mas não é só isso, claro:
há um sentimento caro
que nunca pode morrer.
Falo da Fraternidade,
que nos forma a Identidade
e a todos nós dá poder.

É nas festas da quebrada
que se organiza a moçada
e devemos respeitar.
Essa força não se acaba:
chega de Piracicaba
e aqui também tem lugar.

Economia criativa
mantém a galera ativa,
movimenta e empodera;
a moeda social
pra nós pode ser jornal
palestra e fala sincera.

Isso é patrimônio sim!
Nosso estudo não tem fim,
deve ser transformador
e gerar questionamento,
pro nosso enriquecimento.
Digo isso com amor.

Cada slam, cada sarau
é resistência vital
que vamos fortalecer,
pois também a Academia
luta por Democracia
- esse é o nosso dever.



23 de outubro de 2018

Artigo sobre os Cordéis Joseenses, ciência e cidadania

Acaba de ser publicado novo artigo, em parceria com a profa. Claudia Lemes, sobre a relação entre a produção cordelística, a ciência e a cidadania. O trabalho é fruto de nossa participação em evento realizado na UNICAMP e, para ler o texto na íntegra, basta acessar o link abaixo: 

Cordéis Joseenses - da Ciência à Resistência Cidadã

1 de outubro de 2018

III Seminário de Estética Social (IP - USP, 2018) - dois trabalhos apresentados

No final de setembro/2018, eu e Claudia Regina Lemes participamos do III Seminário de Estética Social, no Instituto de Psicologia da USP. Essa terceira edição do evento foi muito estimulante e gratificante para nós. A seguir, disponibilizamos os links para os 2 trabalhos que apresentamos no evento:

(DOI: 10.13140/RG.2.2.23160.49920)


(DOI: 10.13140/RG.2.2.23789.64485)

27 de agosto de 2018

A TV e o recorte da realidade (apenas mais um exemplo)

     Almoço num restaurante self service do centro da cidade. Como em quase todo estabelecimento do tipo, há uma TV que fica ligada e, na hora do almoço, transmite um noticiário local.
     Num certo momento do noticiário, surge o velho truque: a tradicional matéria emotiva sobre uma pessoa da comunidade (normalmente criança ou idoso) que conseguiu uma vitória pessoal, uma conquista importante. Nem é preciso ver toda a reportagem para entender a motivação: manter motivados, dóceis e "operantes" os oprimidos (que veem o jornal nos self services do centro da cidade).
     Na matéria de hoje, conta-se a história do "seu Durval", que se aposentou pela EMBRAER e virou, vejam que lindo, um artista: pinta quadros sobre a natureza, com flores e pássaros sempre bem coloridos. "Seu Durval" explica que somente depois da aposentadoria conseguiu se dedicar a esta sua paixão, e agora faz exposições de suas obras em cidades da região.
     Os quadros são bem bonitos. O tom da matéria é de felicidade serena.

     Mas...

     O que o jornal teria a obrigação de mostrar (e que, no entanto, ficou bem escondido):
     i) Com a Reforma da Previdência (que o governo insiste em impor e a mídia é bem paga para apoiar), não haverá mais aposentados podendo dedicar-se à pintura, pois as pessoas agora terão que "trabalhar até morrer" (literalmente, na maioria dos casos);
     ii) Com a privatização da companhia em questão, muito em breve não haverá nem mesmo novos "Durvais" trabalhando, pois tudo sinaliza para a internacionalização da produção, com desemprego em massa de brasileiros.

     Essas coisas não são ditas, pois turvariam a tela, estragando a felicidade serena imposta pela TV.

Paulo Barja

31 de julho de 2018

Falta consistência nas perguntas

(ou "a mídia não ajuda")

     Consistência não dá manchete. O que ferra é que esses agentes midiáticos (em programas como o Roda Viva) buscam tipos de inconsistência diferentes em diferentes candidatos, revelando aí sua ideologia:
     1) Pro Alckmin é tipo "mas vai ter dinheiro pra isso?";
     2) pro Bolsonaro, "mas e se você brigar com seu assessor econômico, como fica?";
     3) pra Manuela, é "como você vai explicar pra sua filha que você defende comunista comedor de criancinha?" - para piorar, interrompem as tentativas de resposta, investindo na confusão, em vez de trabalhar por esclarecimento.
     Mais capcioso, impossível.
P.R.Barja

28 de maio de 2018

Domingo de Cidadania

(Apesar de tudo...)

   Neste domingo, ao meio dia, fui à comunidade Santa Cruz para um evento de futebol - organizado pelos próprios moradores. No caminho, passei pela maior praça da região central da cidade, onde cerca de 15 pessoas vestidas de amarelo tinham esticado uma faixa pedindo intervenção militar. Alguns apitavam. Nenhum discurso.
   Não desviei meu trajeto. Seguindo no rumo do evento comunitário, cheguei à Santa Cruz. Alto astral: os meninos recebiam as camisas dos times - cinco times, cinco cores. Vestindo a camisa da seleção espanhola, fui logo chamado de "olheiro da Espanha". Brincando, disse aos meninos que tempos atrás já havia levado "um certo Neymar" embora pra Europa. Todos sorriram. Debatemos rapidamente lances da partida da véspera, Real Madri x Liverpool. Que golaço, o segundo! E que falhas do goleiro, os outros gols... Em minutos, éramos amigos.


Os times, uniformizados
Escolas participaram

Pose para foto oficial

Artistas e apoiadores, ao lado da mesa das premiações

   Em paralelo ao futebol, iniciava-se a organização para o almoço comunitário. Tudo colaborativo, todos se ajudando e se fortalecendo. Deixei kits de cordéis para a premiação dos meninos e, junto com amigos, também alguns livros.
   Na véspera, havia ocorrido um incêndio por lá, na casa da mãe de um líder comunitário, mas todos se uniram, ajudaram (procedimentos emergenciais efetuados, estragos avaliados, planos para reconstrução) e resolveram manter o evento. Atrasou um pouco. Alguns tinham ido à comunidade de Pinheirinho dos Palmares para o lançamento da candidatura de Lula à presidência.
   No evento, conheci um jovem escritor da comunidade, que lançava seu primeiro livro. O relato autobiográfico contava os muitos apuros de alguém que ainda tinha tanto a viver e que encontrara no rap uma forma de falar sobre e para a comunidade. Enquanto conversávamos, reparei que o som ambiente apresentava raps feitos provavelmente por ele e colegas dali. No início de cada gravação, trechos de notícias de rádios locais falavam sobre supostos crimes ocorridos no interior da comunidade. Entendi na hora a denúncia. Daquele jeito, os artistas locais mostravam a todos a forma como eram vistos pela cidade - e que destoava completamente da realidade que eu conheci ali, ao vivo.

Conversa de cantadores boleiros - de vermelho, fui por alguns minutos o "olheiro da Espanha", rs

Hora dos jogos!

Torcida presente, acompanhando e comentando
Premiação literária: cordéis e livros
A comunidade, em torno do futebol: um universo riquíssimo: quadra e parquinho comunitário, arte visual, literatura...

   Com os jogos ainda acontecendo, passeamos pelas ruas estreitas e visualmente riquíssimas da comunidade. Símbolos de futebol aqui e ali, comércio alternativo, paz e limpeza. Fomos almoçar na padaria e depois nos despedimos dos colegas.

A grande vitória é participar
   Na volta, às 14h45, sempre a pé, passando novamente pela praça na região central da cidade... Vimos agora cerca de 150 pessoas, a maioria usando roupa amarela e alguns "embrulhados" em bandeiras do Brasil. Uma viatura da polícia circulava dando segurança a eles. Havia megafone, mas o único e insistente discurso era:

"Liguem para qualquer rádio! Avisem que estamos aqui.
Serve qualquer rádio. Tentem a Jovem Pan..."

   Não pude deixar de pensar no tanto que aqueles "brasileiros de bem", uniformizados, teriam aprendido sobre cidadania se tivessem visitado a comunidade Santa Cruz.

* * *

   Poderia ter acabado por ali, mas, em seguida...
   Quase na esquina de casa, um rapaz negro, forte, pedia "pelo amor de Deus" que alguém ajudasse a comprar fralda para os filhos (gêmeos) dele... Disse que havia saído da cadeia há quatro dias (após 8 anos de reclusão por homicídio) e a polícia já tinha passado por ele há alguns minutos, fazendo marcação, perguntando o que ele estava fazendo ali... Ele estava tentando juntar dinheiro para as fraldas. Tinha menos de quatro reais, às 15h. A mulher estava sentada na calçada, a uma quadra, com os filhos, no frio, no sol... Ele confessou que conhecidos tinham falado para ele roubar fraldas, mas ele não queria se sujeitar a voltar para a cadeia depois de tudo... Paguei o pacote de fraldas. Com delicadeza, ele me pediu também a nota fiscal, para provar que as fraldas tinham sido compradas. Percebam a crueldade: a sociedade punitiva faz marcação cerrada... Aquele homem simples sabia que precisaria provar sua honestidade a cada instante, a cada gesto. Após guardar a nota, ele perguntou se eu era de alguma igreja; eu disse que não. Ele então me deu a bênção de Deus.
   E eu recebi.

(Paulo R. Barja, com Claudia R. Lemes e fotos de JB, Moacyr Pinto e P.R.Barja)