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4 de novembro de 2019

VIDA SEVERINA: um espetáculo necessário


   Neste domingo pós-finados, fui ver "Vida Severina ou Tem Muita Gente Neste Barco", peça do Núcleo de Artes Cênicas do SESI SJC, composta a partir da justaposição das obras de João Cabral ("Morte e Vida Severina") e de Matei Visniec (Migraantes), sob a sensível direção de Roberval Rodolfo.
   Vou direto ao ponto: vejam a peça! O espetáculo está em cartaz no SESI SJC - e é gratuito. Muito bom. Roberval costurou 1 roteiro simplesmente brilhante: amarrou João Cabral com Visniec para discutir (i)migração.
Trata-se de 1 grupo jovem, amador - sim! E isso é mais uma razão para se acompanhar o trabalho. Há grandes valores individuais e a tendência é crescer como grupo, o que aliás já se verifica, ao longo dos últimos anos.
   A música é sempre um ponto importante dos trabalhos do NAC, merece atenção - assim como a garra, a alegria de se saber em cena para um debate importante.
   A peça em si é belíssima, um real ato de denúncia e resistência - imperdível e necessária no Brasil e na São José de hoje. Muitos saíram emocionados, mas arrisco dizer que o maior mérito do trabalho é gerar o empoderamento coletivo. Aquela sensação  de que, afinal, do lado dos humanistas, "ninguém solta a mão de ninguém". Neste sentido, acho particularmente importante que o trabalho seja prestigiado pelos colegas da classe artística.
   Vi ontem, já conto os dias para rever. Parabéns aos envolvidos. E sigamos na resistência lírica através da Arte.



30 de março de 2019

Fafá de Belém reunifica o Brasil


     São raros os que conseguem, mas o grande artista é assim: nos primeiros 30 segundos, conquista o público, transformando em festa os minutos seguintes. Benjamin diria que é uma questão de aura, e é bem essa a sensação que temos ao presenciar um show de Fafá de Belém. É dessas (raras) artistas que mesmo o crítico mais sóbrio tem vontade de cobrir de adjetivos: expressiva, expansiva, generosa...
     Com mais de 40 anos de carreira, Fafá de Belém impressiona nos palcos pelo talento e vitalidade. Desde os anos (19)70, a cantora vem construindo um repertório de grande versatilidade e que, justamente por sua diversidade, retrata à perfeição o Brasil. Fafá começou sua carreira cantando obras do mestre Waldemar Henrique, é presença frequente em trilhas de novela, canta (bem) Chico Buarque, deslumbra em despudoradas versões de canções brega, tem feito apresentações esporádicas com orquestra e, no show atual, privilegia as guitarradas do Pará.
     O formato da apresentação é, em si, uma aula: mescla conceitos de pocket-show (é um trio: a cantora e a excelente dupla Cordeiro nas duas guitarras) com as características de show grande, com direito a telão e, claro, a voz oceânica da protagonista. A sequência de imagens é muito bem escolhida, criando o cenário (e ajudando a dar o clima) de cada canção.
     Artista ampla, dessas que entra nas canções com a profundidade de atriz, Fafá alia o talento à cidadania. Quando fala, é com propriedade que o faz. Elegante e incisiva, sem citar nomes, critica o atual governo, que “se ajeita e faz acordos com o estrangeiro, mas não apoia a cultura aqui, no Brasil”. Fafá é categórica ao dizer: “nós, artistas, somos trabalhadores, não somos vagabundos como andam dizendo” – e alerta sobre a necessidade de união popular, para que “o povo não fique a mercê dos que estão lá em cima”. O mote do show, a mensagem que fica, é essa, de que o Brasil é grande e não faz sentido nenhum que estejamos divididos.
     Escolhido a dedo, o bis reforça o discurso da cantora, que alia graça e garra ao entoar os versos de Chico da Silva: “O velho comunista se aliançou ao rubro do rubor do meu amor”, seguidos pela canção-arremate, de Lulu Santos, que evidencia a defesa da união na diversidade: “Consideramos justa toda forma de amor”.
     Para alguns, a expressão “que tesão de show” pode invocar censura – que jeito chulo, que exagero, que isso, que aquilo... Mas acontece que, hoje, o tesão em si tornou-se manifestação de resistência. Então, para que disfarçar o inegável em malabarismos linguísticos?
     Que tesão de show.

Paulo Roxo Barja

18 de janeiro de 2019

O FUTURO FUZIL

- Agora eu vou ter UM FUZIL!
   Ouvi essa frase enquanto aguardava na fila do caixa de um mercado na região central da cidade. A pessoa dizia isso ao celular; tive uma certa impressão de que chegara a levantar a voz, como se quisesse público para sua afirmação.
   Não me voltei para ver quem falava. Na verdade minha vontade era sair dali, se possível abrindo as asas e voando sem rumo, para perto das nuvens e longe dessa futura terra de fuzis.
   Não sei quem falou aquilo, nem porque falou. Mas reparei: era uma voz de mulher.

#SãoJoséDosTiros

13 de dezembro de 2018

“PARAHYBA RIO MULHER”: UMA FORÇA NECESSÁRIA


Lirismo e força: performance traz para a rua a "História além dos livros"

     “Vivemos tempos difíceis” é quase o novo “Bom dia” dos brasileiros, neste 2018 que é um agravamento de 2017, que foi, por sua vez, uma sequência dura de 2016... Mas cabe uma pergunta: desde quando estamos sendo golpeados? Não aprendemos isso na escola, mas a verdade é que a História do Brasil tem sido, desde sempre, a história de uma sequência de golpes. Ou alguém ainda acredita no mito de que os portugueses eram brancos civilizadíssimos que chegaram aqui tratando muito bem os índios, que foram auxiliados em trabalhos voluntários por negros bem dispostos vindos da África Mãe?

     Ainda hoje, a chibata é vista como recurso para uns - mas é pura dor para outros. Nesse contexto, e voltando a 2018, o mergulho (cultural, artístico) em episódios tristes da nossa história é importante para revelar caminhos de resistência. Porque, se temos uma longa história de golpes, também é verdade que temos uma longa história de resistência. Perguntem aos índios, por exemplo. Ou às mulheres fortes da Paraíba!

     Não acredito em acaso: todo encontro tem uma razão de ser. No meio da semana, no meio de tarde, no centro de São José dos Campos, eu e minha filha ficamos sabendo que haveria teatro de rua na Praça do Sapo. Como só a Arte salva (e à noite ainda haveria trabalho), resolvemos ir até a praça.

      Chegamos cedo: “Elas estão no calçadão!”

     Fomos ao encontro das moças. Percussão, voz e energia davam o toque: “tá com cara de que vai ser bom”, pensei. Foi mais: foi necessário. Sempre cantando, a trupe chega à praça, onde a própria demarcação de espaço marca o início da performance. O vermelho está presente: enquanto denunciam episódios de violência contra a mulher, as moças banham-se num rio que é de água e de sangue. E então começa uma aula ao mesmo tempo de Arte e de História – aquela que os livros não contam, ou seja, aquela que vai bem além das verdades oficiais.

     Anayde Beiriz foi uma escritora e poeta libertária, destinada a chocar a conservadora sociedade paraibana da primeira metade do século XX. Defensora ardorosa da participação feminina na política e nas artes, Anayde envolve-se amorosamente com João Dantas, líder da oposição ao então “presidente da Paraíba” (governador) João Pessoa. Em meio a um violento confronto político, Dantas se refugia no Recife, sem abandonar Anayde: o amor revolucionário é cantado em cartas, em verso e prosa. João Pessoa então manda a polícia revistar as casas dos revoltosos, buscando armas que comprovassem a preparação de uma revolta armada. Em vez de armas, a polícia encontra cartas e poemas de amor no cofre do escritório de João Dantas, na capital da Paraíba.

     Amor é crime? O material epistolar apreendido é fartamente divulgado por jornais alinhados ao governo, para atingir Dantas, que reage “na lata”: numa confeitaria recifense, mata João Pessoa com um tiro à queima roupa, sendo preso em flagrante. Anayde então vai morar num abrigo no Recife, onde visita Dantas até que este é encontrado morto em sua cela. A desculpa oficial é a de sempre: suicídio. Poucos dias depois, Anayde morre envenenada, em mais um “suicídio” assim, entre aspas.

     A violência pode assumir muitas formas.

     A força de Anayde me faz lembrar da santista Pagu, que viveu na mesma época. E em outras mulheres guerreiras, de todas as épocas. As atrizes falam de suas avós e convidam o público a falar também, para que se honre – coletivamente – a memória destas mulheres. Há espaço para lirismo e saudade. As falas finais do espetáculo retomam o caráter de resistência política ao defender publicamente a coragem de Dilma Rousseff, vítima de um processo de impeachment claramente carregado de machismo. Enquanto escrevo esse texto, multiplicam-se denúncias contra um certo eleito e seus filhos, envolvidos em atividades “pouco republicanas”. Como agirá a imprensa agora?

     A história brilhantemente contada por Cely Farias, Kassandra Brandão, Natália Sá e Jinarla Pereira fala da Paraíba, do Brasil e, em última análise, de todos nós. O grupo tem a melhor das qualidades quando se trata de teatro, principalmente na rua: as moças mostram um entrosamento perfeito. O espírito de equipe valoriza cada momento do espetáculo, visualmente belo, fortalecendo um trabalho que já é forte pelo tema abordado.

     Toda força a essas moças! Que façam mais e mais arte pelas ruas de nosso país, que anda precisando. E que a História – essa que mora além das verdades oficiais – seja sempre lembrada, para possamos resistir sempre às tentativas de silenciamento.

P.R.Barja

6 de abril de 2018

NÃO HÁ PRISÃO QUE NOS CALE


muitos falam de Jesus
- ele arrastou sua cruz.
os pregos vieram depois.
qual o crime cometido?

prenderam o nobre Gandhi:
não havia crime algum.
o tiro veio depois.
Mahatma vive em nós.

tentaram calar Mandela.
foi preso por tantos anos
que a luta se fortaleceu
- o apartheid foi acabando.

prenderam, sim, Luther King.
o tiro veio depois.
o rifle serviu apenas
para eternizar sua voz.

o governo americano
pediu a expulsão de Lennon.
o tiro veio depois.
mas quem canta? escute: é John...

há muita coisa que os une
além de morte e prisão:
justiça, amor, liberdade,
e a luta contra a opressão.

vivemos, neste momento,
tempos de grande injustiça.
saberemos revidar
com arte, mesmo sem rima.

"você pode até dizer
 que sou só um sonhador"
- eles sonharam também,
  buscando um mundo melhor.

medo? não. nunca. jamais!
os injustos é que t(r)emam
pois o amanhã nos acena.
a eternidade também.

(Paulo Roxo Barja)

9 de outubro de 2017

Mais que nunca, é preciso sonhar

(“Os Gigantes da Montanha” e o Grupo Galpão)

Fui ao teatro (re)ver o Grupo Galpão e saio com a impressão de que a beleza na Arte, a partir de um certo ponto, ultrapassa o próprio limite das palavras. Paradoxo: ainda assim, sou impelido a escrever. E por razões objetivas: no Brasil de 2017, é preciso assistir “Os Gigantes da Montanha”, montagem do grupo para o texto de Luigi Pirandello.
Sim, vivemos num tempo em que a beleza chega a adquirir conotação subversiva - principalmente quando aliada à excelência da representação. Para dar um exemplo: a caracterização antológica do ator Paulo André como personagem feminina na peça é capaz de ofender certas “pessoas na sala de jantar” (como diriam os Mutantes). Pior para os que se ofendem. Nestes tempos difíceis, em que setores (ultra)conservadores chegam a pedir censura a exposições e apresentações artísticas (na verdade “exigem”, o que apenas explicita seu caráter autoritário), é reconfortante ouvir o Galpão emendar o final de uma das músicas com a exclamação: “Censura não!”
Pirandello morreu às vésperas da Segunda Guerra Mundial. Certamente compreendia os graves tempos que estavam por vir. Poucos anos depois, Walter Benjamin passou a alertar sobre a mudança de percepção que se operava nas pessoas a partir da reprodutibilidade técnica nas obras de arte. Pois bem: o teatro nunca se curvou à mera reprodutibilidade. O acaso sempre está presente, e por isso mesmo a aura nunca se perde. Curioso: um seriado famoso na TV dos anos 1990 avisava que “a verdade está lá fora”. O Galpão viaja pelo Brasil confirmando que “sim, a verdade está AQUI fora” – e é tanto mais impactante quanto mais se revela através do registro de fábula.
A cada época, seus desafios. Temos os nossos, e não falo (só) de manter as contas em dia: trata-se de lutar inclusive pelos direitos mais fundamentais. Nos últimos tempos, a imprensa (!!) tem dado espaço a políticos que defendem abertamente a imposição de limites à liberdade de expressão, propondo inclusive sanções e multas aos libertários. Pois bem: no passarán, caros censores! Temos a fábula. E fábulas como a de Pirandello prestam-se a múltiplas interpretações e questionamentos; ler, ouvir, cantar e representar são atitudes que enriquecem a própria experiência humana.
Voltando à peça: logo no início, quando a brancaleônica trupe mambembe perambula em busca de um lugar para apresentar seu espetáculo, ficamos sabendo que fantasmas não assustam artistas. Na verdade,

a Arte faz ponte
entre o pleno Aqui-Agora
e o reino do Além.

A última cena, aquela que Pirandello contou mas não escreveu, trata do embate dos artistas com os Gigantes. Que não são propriamente gigantes, o texto explica: trata-se de pessoas que chegaram “no alto da Montanha” com muito esforço, mas que, na caminhada, embruteceram, tornaram-se de certo modo insensíveis – esquecerem-se, talvez, de sua própria humanidade. Culpa do Empreendedorismo ou da Meritocracia? A peça estimula fortemente a reflexão, neste momento em que artistas, buscando seu lugar na praça, são pressionados a se converterem em “empresas de um homem só” (as MEIs).
A peça, escrita na década de 1930 e montada pelo Galpão em 2013, torna-se ainda mais atual agora. Os artistas, armados de figurinos, vozes e sonhos, caminham para se apresentar diante dos Gigantes. Retroceder? Nunca. Temer? Jamais.
Ao fim da peça (na verdade, o fim ainda está por escrever), resta-nos agradecer ao Galpão pelo exemplo dado nestes primeiros 35 anos de sua trajetória: sem concessões, dando sempre coerência aos nossos sonhos. Até mesmo depois do espetáculo: nesta cidade que um dia abrigou o Pinheirinho (invadido e desocupado por Gigantes da Montanha fardados), passavam das dez da noite quando encontramos os atores saindo do teatro. Cansados, após mais uma jornada de belezas, eles nos mostram que, sim, sempre há tempo para um abraço. E que ninguém ouse censurar o afeto, que é e sempre será revolucionário.

É preciso que sonhemos,
principalmente acordados;
que encaremos os Gigantes
(na rua e até no Senado)
e saibamos exprimir
com Arte o nosso recado.

P.R.Barja

15 de agosto de 2017

Ocupação Escolar e Liberdade de Expressão

Seminário apresentado por aluna do LabCom Univap revela a construção identitária a partir de produções textuais dos alunos que participaram das ocupações


     A aluna Ana Flávia Leite, da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas e Comunicação da UNIVAP que estudou as ocupações escolares em São José dos Campos com bolsa PIBIC, fez sua apresentação final hoje, em auditório do CEPLADE/UNIVAP.

A aluna Ana Flávia Leite, orientada pelo prof. Paulo Barja (UNIVAP)

     Ana realizou a análise das produções textuais de alunos que participaram das ocupações escolares no final de 2015, na Zona Sul da cidade de São José dos Campos, em protesto contra a proposta de reorganização escolar, que havia sido anunciada pelo governo de São Paulo sem prévio debate com alunos, famílias e professores. O trabalho analisou a construção identitária nos alunos a partir do processo de ocupação. As principais referências bibliográficas utilizadas pela pesquisadora no trabalho foram os livros “Escolas de Luta” (de Antonia Campos, Jonas Medeiros e Márcio Ribeiro) e “A Identidade Cultural da pós-modernidade”, de Stuart Hall. Entre as produções textuais coletivas analisadas, ganham destaque no trabalho os textos produzidos pelos alunos no formato da literatura de cordel, a partir das oficinas voluntárias realizadas pelo prof. Paulo Barja nas ocupações.

Antes da apresentação, a aluna entregou à banca exemplares do cordel
produzido pelos alunos durante a ocupação escolar

     Orientada pelo professor Paulo Roxo Barja, a aluna de jornalismo foi a primeira bolsista da área de Comunicação da UNIVAP no PIBIC. Foi muito elogiada pela banca, que teve as participações das professoras Drª Mirabel Cerqueira Rezende (UNIFESP) e Drª Juliana Campos Junqueira (UNESP).

Foi avaliada a construção identitária dos alunos a partir de suas produções nas redes sociais

     Os autores agradecem à banca avaliadora e também à Profª. Maria Aparecida Papali, ao diretor do Instituto de Pesquisa & Desenvolvimento (IPD/UNIVAP), prof. Leandro Raniero e à coordenadora do LabCom/Univap, Profª. Kátia Zanvettor Ferreira.



A apresentação seguiu as normas do PIBIC, com os slides produzidos em inglês

     Aluna e orientador preparam agora artigos a partir do relatório final do projeto, para futuras participações em congressos acadêmicos.

21 de julho de 2017

PERSEGUIDO POR BOAS RAZÕES (B.Brecht, adp. Paulo Barja)

A propósito da recente perseguição política movida por um juiz de primeira instância contra um presidente, lembrei de um poema de Brecht cuja parte final segue abaixo em adaptação minha:

PERSEGUIDO POR BOAS RAZÕES 
(B. Brecht, adp. P. Barja)

(...) Estou entre o povo,
e explico como o enganam,
e predigo o que está para vir,
pois sei de seus planos.
Desmonto a balança da sua justiça
e mostro os pesos falsos.
Os espiões informam
de que estou com os humildes e oprimidos
preparando a (re)volta.
Advertiram-me, tiraram-me
o que ganhei com meu trabalho honesto.
Como não me "corrigi",
perseguiram-me,
e como acharam em minha casa
escritos revelando 
seus planos contra o povo,
condenaram-me à detenção
acusando-me de ter ideias subversivas, ou seja,
de pensar como os de baixo.
Onde quer que eu vá, estou marcado a fogo para os ricos,
mas os que nada possuem
lêem a ordem de prisão
e me dão refúgio.
Dizem:
- A você, eles perseguem por boas razões.

13 de julho de 2017

O Tema da Vez (e mais uma sextilha da série Cordel-Notícia, 12/07/17)

     No futebol também é assim: em alguns jogos, a estratégia adotada por uma das duas equipes (ou mesmo o estilo desenvolvido por ambas) praticamente conduz o jogo a um determinado resultado final. Ainda que o placar varie, valem máximas como "quem joga para empatar acaba perdendo" e outras, vivas na sabedoria popular. 
     No que se refere ao julgamento do ex-presidente Lula pelo juiz de primeira instância em Curitiba, as duas partes sabiam desde o início que a condenação (por um triplex no Guarujá que nunca foi de Lula) já estava escrita, determinada, ainda que nunca se tenha obtido prova alguma de crime algum. É grave, gravíssimo - mas não chega a surpreender. No entanto, confesso que me equivoquei quanto a cronologia do jogo: imaginei que a "condenação sem provas" sairia pouco antes da votação das alterações da CLT, para tirar a atenção deste que seria o real e imediato problema para a maior parte da população brasileira. Na verdade, ocorreu o contrário: como o (des)governo demonstrou ter maioria para aprovar as reformas, a preocupação (imagino) passou a ser como evitar uma eventual reação intempestiva nas ruas contra a perda de direitos do trabalhador.
     Uma coisa, porém, é certa: independentemente da posição ideológica (contra ou a favor das reformas, contra ou a favor de Lula), está claro para todos que a aprovação destas reformas e o nome de Lula (como líder nas pesquisas para a sucessão presidencial) são dois lados da mesma moeda. Por uma razão bastante simples: Lula é visto por uns e outros como o grande (e talvez único) candidato capaz de reverter as reformas, voltando a salvaguardar o trabalhador. Isto, aliás, não seria bondade alguma: o respeito à própria biografia de Lula assim o exige. 
     Segue o jogo...
*          *          *

Também serei preso, sim:
o triplex nunca foi meu;
o helicóptero do pó
também nunca me valeu
e maleta de dinheiro
nunca recebi... Fodeu!

*          *          *

     Uma das coisas mais importantes que aprendi na carreira acadêmica foi o valor da concisão. Por escrito ou oralmente, quem "enrola" muito na defesa de sua tese demonstra insegurança e/ou tenta disfarçar falhas utilizando verborragia.
     A sentença de Moro contra Lula tem 218 páginas.
     É autoexplicativo.
P.R.Barja

5 de julho de 2017

Manifesto semafórico (limeriques joseenses)

   Desde o início de 2017, tem ocorrido um embate (infelizmente embate mesmo, mais que debate) entre a administração municipal de São José dos Campos e os artistas da cidade. Como ponto-chave neste tensionamento, tivemos as discussões sobre o PL215/17, apresentado pela bancada governista na Câmara Municipal. O projeto ficou conhecido como "proibição de malabares em semáforos joseenses", mas (infelizmente) é ainda mais amplamente grave a situação, pois a (agora aprovada) lei instaura condicionamentos à apresentação de qualquer trabalho cultural e/ou artístico em espaços públicos da cidade! Todos, incluindo os malabares, devem agora cadastrar-se previamente e aguardar autorização da Fundação Cultural Cassiano Ricardo (FCCR) para apresentações, que obrigatoriamente devem conter repertório e roteiro definidos (isto é uma quase-impossibilidade, tratando-se de arte de rua em que a interação em tempo real impõe eventualmente alterações significativas na apresentação).
   Aprovado dia 8/junho/2017, o projeto entra em vigor 30 dias após aprovação. Neste cenário e contexto, postamos a seguir a série de limeriques criada contra este projeto/lei, que segundo nosso entendimento reinstala a censura em terras joseenses.
   São poemas curtos e bem humorados. Recomenda-se a leitura em semáforos joseenses!

ANARCOVERSOS
PRA D/R-ECLAMAR
EM VIAS PÚBLICAS
#SãoJoséDosAbsurdos
#SomosTodosArtistasDeRua

1
Uma vez houve 1 certo estrupício:
sem pensar - era muito difícil! 
proibiu a Poesia
mas ficou com azia
pois poeta tem muito artifício!

2
O prefeito botou pra ferver
e mostrou que era ruim de doer:
- Malabares não dá!
Eu proíbo isso já!
Só porque não sabia fazer...

3
O prefeito ralhou, de pirraça:
- Eu proíbo palhaço e palhaça!
Mas... proíbe por que?
Eu explico a você:
esse alcaide foi sempre sem graça...

4
Cantador bom e bem preparado
canta em praça e jamais é vaiado:
- Faço o povo feliz!
Se o prefeito não quis,
tá provando que é desafinado...

5
O prefeito mandão não se cansa
e na rua proíbe até dança...
- Mas a dança é no pé; 
se o senhor tem chulé, 
ponha talco e não seja criança!

6
Para artistas o alcaide diz não
e ameaça com proibição 
mas parece esquecer
(ou precisa aprender)
que nós temos Constituição!

7
Se o eleito relincha de fato, 
a Cultura é que vai pagar pato?!
Sem artista ou teatro,
só andando de quatro:
ferradura em lugar do sapato!

8
Se o alcaide governa a galope,
quando empina não há mais quem tope.
Chega de proibir:
Arte vai resistir!
Sem Cultura, acabou seu Ibope...

9
A cidade é lugar de debate;
nunca pode ser campo de abate!
Ninguém vai se calar,
pois, se a Arte acabar,
logo a elite não fala, só late...

10
Não se pode impedir cidadão
de expressar a sua opinião:
malabares, cantor,
dançarino ou ator
- rua é nossa também, por que não?

11
O teatro que foi restaurado
já foi logo em seguida fechado.
Vai fechar também rua?
A verdade está nua:
não é culto esse alcaide, coitado...

P.R.Barja

13 de fevereiro de 2017

O Impacto do Ensino da Arte (ouvindo Camille Paglia)


(obs.: versão condensada de entrevista com Camille Paglia publicada originalmente no site http://fronteiras.com/canalfronteiras/entrevistas/?16,341, sob o título "O impacto do ensino da arte (ou da falta dele) na percepção do mundo")

   (...) A escritora norte-americana Camille Paglia é conhecida por desafiar as ideias em voga nos mais diversos campos. Professora de Humanidades e Estudos Midiáticos da University of the Arts da Filadélfia, é autora de obras que misturam cultura pop, história da arte, sexualidade e os diferentes meios que tornam o homem um espectador: seja na frente da televisão, de um Pollock ou de sua própria vida.
   Em sua mais recente obra, Imagens cintilantes - uma viagem através da arte desde o Egito a ‘Star Wars’ (Apicuri, 2014), Camille retorna ao local que a consagrou, a crítica à arte contemporânea. No livro, a autora de Personas Sexuais analisa 29 obras que considera fundamentais na História da Arte e afirma, com certa decepção, que os jovens deixaram ofícios como a pintura e a escultura para emprestar sua lealdade à tecnologia e ao design industrial.
   Em entrevista, Paglia resumiu o panorama que motivou a produção do livro:         “O olho sofre com anúncios piscando na rede. Para se defender, o cérebro fecha avenidas inteiras de observação e intuição. A experiência digital é chamada interativa, mas o que eu vejo como professora é uma crescente passividade dos jovens, bombardeados com os estímulos caóticos de seus aparelhos digitais. Pior: eles se tornam tão dependentes da comunicação textual e correio eletrônico que estão perdendo a linguagem do corpo.” De acordo com ela, esta degeneração gradativa da percepção/expressão nasce do mercado – das galerias às instituições de ensino.
   Segundo a norte-americana, este mercado não é apenas um objeto a ser combatido, mas sim um profundo problema de visão sobre a vida, que parte, também, do espectador. Ensinado a enxergar o mundo apenas de forma política e ideológica, o homem contemporâneo teria perdido a esfera do sensível, do invisível, do metafísico.     A isso, somam-se a rapidez da tecnologia e a promessa de lucro aos artistas, que acabam trocando o lento processo de aprendizado por contratos exclusivos ou por telas digitais.
Longe de ser uma questão restrita a quadros e esculturas, este contexto de constante estímulo atinge a sociedade como um todo, como Camille argumenta logo na introdução da obra:
   “A vida moderna é um mar de imagens. Nossos olhos são inundados por figuras reluzentes e blocos de texto explodindo sobre nós por todos os lados. O cérebro, superestimulado, deve se adaptar rapidamente para conseguir processar esse rodopiante bombardeio de dados desconexos. A cultura no mundo desenvolvido é hoje definida, em ampla medida, pela onipresente mídia de massa e pelos aparelhos eletrônicos servilmente monitorados por seus proprietários. A intensa expansão da comunicação global instantânea pode ter concedido espaço a um grande número de vozes individuais, mas, paradoxalmente, esta mesma individualidade se vê na ameaça de sucumbir.
   Como sobreviver nesta era da vertigem? Precisamos reaprender a ver. Em meio à tamanha e neurótica poluição visual, é essencial encontrar o foco, a base da estabilidade, da identidade e da direção na vida. As crianças, sobretudo, merecem ser salvas deste turbilhão de imagens tremeluzentes que as vicia em distrações sedutoras e fazem a realidade social, com seus deveres e preocupações éticas, parecer estúpida e fútil. A única maneira de ensinar o foco é oferecer aos olhos oportunidades de percepção estável – e o melhor caminho para isso é a contemplação da arte.”
   Ainda em seu texto introdutório, Camille critica as instituições de ensino por falharem completamente no ensino da visão que nos tiraria desta vertigem. Se precisamos reaprender a ver, as faculdades de arte, para ela, poderiam ser consideradas mais um empecilho do que uma parceira nesta tarefa. Leia, abaixo, o que ela tem dizer sobre isso a partir de excerto do livro Imagens cintilantes:
   “É de uma obviedade alarmante que as escolas públicas norte-americanas têm feito um mau serviço na educação artística dos estudantes. Da pré-escola em diante, a arte é tratatda como uma prática terapêutica – projetos com cartolina do tipo “faça você mesmo” e pinturas com os dedos para liberar a criatividade oculta das crianças. Mas o que de fato faz falta é um quadro histórico de conhecimentos objetivos acerca da arte. As esporádicas excursões ao museu, mesmo que haja um por perto, são inadequadas. Os cursos de história da arte deveriam ser integrados ao currículo do ensino primário, fundamental e médio - uma introdução básica à grande arte e a seus estilos e símbolos. O movimento multiculturalista que se seguiu à década de 1960 ofereceu uma tremenda oportunidade para expandir o nosso conhecimento do mundo da arte, mas suas abordagens têm com demasiada frequência sacrificado a erudição e a cronologia em favor de um partidarismo sentimental e de queixumes rotineiros.
   Era de se esperar que as faculdades que oferecem cursos de artes liberais dessem ênfase à educação artística, mas não é esse o caso. O atual currículo, de estilo self-service, torna os cursos de história da arte disponíveis, mas não obrigatórios. Com raras exceções, as universidades abandonaram toda noção de um núcleo de aprendizado. Os departamentos de humanidades oferecem uma mixórdia de cursos feitos sob medida para os interesses de pesquisa dos professores. Tem havido um gradual eclipse, nos Estados Unidos, do curso de história geral da arte, que cobria magistralmente, em dois semestres, da arte das cavernas ao modernismo. Apesar de sua popularidade entre os estudantes, que se recordam deles como pontos culminantes em suas vivências universitárias, os cursos gerais são cada vez mais vistos como excessivamente pesados, superficiais ou eurocêntricos – e não há mais vontade institucional de estendê-los para a arte mundial.
   Jovens professores, criados em meio ao pós-estruturalismo, com sua suspeita mecânica da cultura, consideram-se especialistas, e não generalistas, e não foram treinados para pensar sobre trajetórias tão vastas. O resultado final é que muitos alunos de humanidades se formam com pouco senso da cronologia ou da deslumbrante procissão de estilos que constituía a arte ocidental.
   A questão mais importante acerca da arte é: o que permanece e por quê?
   As definições de beleza e os padrões de gosto mudam constantemente, mas padrões persistentes subsistem. Defendo uma visão cíclica da cultura: os estilos crescem, chegam ao ápice e decaem para tornarem a florescer, num renascer periódico. A linha de influência artística pode ser vista claramente na cultura ocidental, com várias interrupções e recuperações, desde o Egito antigo até hoje – uma saga de 5 mil anos que não é (como diria o jargão acadêmico) uma “narrativa” arbitrária e imperialista. Grande número de objetos teimosamente concretos – não apenas “textos” vacilantes e subjetivos – sobrevivem desde a antiguidade e as sociedades que moldaram.
   A civilização é definida pelo direito e pela arte. As leis governam o nosso comportamento exterior, ao passo que a arte exprime nossa alma. Às vezes, a arte glorifica o direito, como no Egito; às vezes, desafia a lei, como no Romantismo.
   O problema com abordagens marxistas que hoje permeiam o mundo acadêmico (via pós-estruturalismo e Escola de Frankfurt) é que o marxismo nada enxerga além da sociedade. O marxismo carece de metafísica – isto é, de uma investigação da relação do homem com o universo, inclusive a natureza. O marxismo também carece de psicologia: crê que os seres humanos são motivados apenas por necessidades e desejos materiais. O marxismo não consegue dar conta das infinitas refrações da consciência, das aspirações e das conquistas humanas.
   Por não perceber a dimensão espiritual da vida, ele reduz reflexivamente a arte à ideologia, como se o objeto artístico não tivesse outro propósito ou significado além do econômico ou do político.
   Hoje, ensinam aos estudantes a olhar a arte com ceticismo, por seus equívocos, suas parcialidades, suas omissões e ocultos jogos de poder. Admirar e honrar a arte, exceto quando transmite mensagens politicamente corretas, é considerado ingênuo e reacionário. Um único erudito marxista, Arnold Hauser, em seu épico estudo de 1951, A história social da arte, teve bom êxito na aplicação da análise marxista, sem perder a magia e o mistério da arte. E Hauser (uma das influências iniciais do meu trabalho) trabalhava com base na grande tradição da filologia alemã, animada por uma ética erudita que hoje se perdeu.
   A arte é o casamento do ideal e do real. Fazer arte é um ramo da artesania. Artistas são artesãos, mais próximos dos carpinteiros e dos soldadores do que dos intelectuais e dos acadêmicos, com sua retórica inflacionada e autorreferencial. A arte usa os sentidos e a eles fala. Funda-se no mundo físico tangível.
   O pós-estruturalismo, com suas origens linguísticas francesas, tem a obsessão pelas palavras e, com isso, é incompetente para interpretar qualquer forma de arte além da literatura. O comentário sobre arte deve abordá-la e descrevê-la em seus próprios termos. Deve-se manter um delicado equilíbrio entre os mundos visível e invisível. Aqueles que subordinam a arte a uma agenda política contemporânea são tão culpados de propaganda e rigidez literal como qualquer pregador vitoriano ou burocrata stalinista.

10 de junho de 2015

UM RESGATE JUSTO - e necessário


     Como cristão, fiquei sinceramente comovido ao ver a belíssima foto que reproduzo abaixo. A verdade é que, após muitas apropriações da crucificação (principalmente em capas de revistas da grande mídia), finalmente pudemos ver uma imagem que resgata o poder e a força da crucificação de Cristo. 
     Sei que algumas pessoas podem questionar o que considero "resgate justo" da força original da cruz como símbolo cristão. Por que digo isso? Porque Cristo nunca foi personagem de igreja-butique (entrem numa igreja hoje e perguntem onde fica a lojinha, vocês provavelmente encontrarão modelos de cruz de todos os tamanhos e preços). Ao contrário: Jesus foi perseguido, assim como seus seguidores. Viveu à margem da sociedade da época, sendo portanto um "marginal", no sentido estrito do termo. Foi também um "subversivo", para usar um termo que a turma do Bolsonaro adora aplicar (em geral, para as pessoas erradas) ao defender aqueles que não tinham defesa. Observem: nada disso aparece nas capas da Veja e da Placar, quando se utilizaram da cruz. 
     Por fim, ver alguém na cruz inevitavelmente desperta em nós (em mim, pelo menos) piedade, compadecimento... Empatia: "é uma pessoa comum ali, poderia ser você ou seu filho". 
     Viviany Beleboni: obrigado por renovar em mim a fé cristã, nesse mundo tão cheio de gente que ostenta arrogância e intolerância incompatíveis com a fé que dizem professar. 
     Só para lembrar: na mesma semana, o grande Zé Celso teve que se defender num processo movido contra ele por um religioso que se disse ofendido com uma representação ocorrida na PUC, em 2012. Pois bem. Como cristão, digo: VIVA VIVIANY! VIVA ZÉ CELSO!


(Foto: João Castellano, Agência Reuters)

19 de maio de 2015

Caetano e "Irene"

Sobre Caetano e a história da canção “IRENE”, 1968/69



Sempre achei que IRENE fosse uma das canções leves do Caetano. Não é...

Após ser eliminado do Festival de Música Popular Brasileira por conta de seu discurso em É PROIBIDO PROIBIR (em solidariedade a Gil, também desclassificado), a dupla foi presa e teve os cabelos raspados. Foi na cadeia que Caetano compôs os versos de IRENE. Essa informação é essencial para que se compreenda a letra da canção:


“Eu quero ir, minha gente
Eu não sou daqui
Eu não tenho nada...”


O disco com a canção IRENE, lançado por Caetano em 1969, tem outra peculiaridade: ele NÃO aparece na capa. Ainda estava de cabelo curto... Somente em seu disco seguinte (o “álbum inglês”), Caetano volta a aparecer na capa. A foto é tristíssima: um baiano no frio londrino... mas ele já estava de cabelo comprido.

P.R.Barja

2 de maio de 2015

RESPOSTA DE UM PROFESSOR à fala do senador (Cordel Joseense 56)

Brasília, 2015:
numa sessão do Senado
o “nobre” senador Serra
(há pouco tempo empossado)
produziu, ao microfone,
um discurso equivocado:

Foi se queixar, no plenário,
das horas-atividade
pagas para os professores
e bem justas, na verdade.
Professor trabalha muito:
negar isso é vã maldade!

No discurso, o senador
usou um termo insolente:
disse que os mestres ganhavam
só para “supostamente”
preparar as próprias aulas...
Senador, seja decente!

(faço aqui breve parênteses:
para estes versos fazer,
antes corrigi 100 provas,
pois esse era meu dever,
e fui depois, na internet,
o diário preencher)

O senador criticava
(falta alça em sua mala)
que o professor recebesse
40 horas... sua fala:
“10 horas-atividade,
SÓ 30 horas na sala!”

Porém, depois do discurso,
nenhum jornal registrou
a bronca que o senador
de professores levou;
uso então estas sextilhas
pra mostrar nosso valor.

“Prezado Senador Serra:
o senhor não foi eleito
pra bater em professor
nem negar nosso direito.
Mas, se quiser discutir,
sou professor: eu aceito.

Por sinal, sei que o senhor
também é nosso colega:
sei dos vídeos no YouTube
- quem correr ainda pega -
de aulas suas em campanha...
O senhor sabe e não nega.

Não vou questionar as aulas
nem os seus erros de conta,
pois o senhor, pelo visto,
nenhum erro em mim aponta.
O debate é sempre bom,
nunca é uma coisa tonta. 

O senhor falou de "custo":
professor tem custo, sim!
Senador também tem custo:
o senhor acha ruim?
Vamos debater agora
isso, tintim por tintim.

Neste primeiro bimestre,
corrigi (e ainda bem!)
trezentas e tantas provas
sem dever nada a ninguém.
Aulas? Posso assegurar
que dei muito mais de cem.

O senhor não se preocupe:
Não ache que é tão difícil...
Corrigi mais de trezentas
e dez listas de exercício.
Sei que, pro senhor também,
trabalhar é um doce vício...

De quantas sessões ao todo
o senhor participou
nessas últimas semanas,
no bimestre que passou?
E os projetos sociais,
afinal, quantos votou?

Na trilha do seu discurso,
não cabe fazer piadas:
precisamos discutir
as "horas não trabalhadas"
também aí no Congresso
- são verdades mal faladas...

Que tal se a gente parasse
de pagar os senadores
pelas promessas que fazem
sob a luz dos refletores
e a tal “meritocracia”
fosse aplicada aos senhores?

E, para não perder tempo,
eu também pergunto, então:
por que o senhor defendeu
essa terceirização
que ao nosso trabalho honesto
gera precarização?

Eu já estou até achando
que a tal terceirização
veio de outro senador
que em segundo turno NÃO
se elegeu e, num terceiro,
sonha ganhar a eleição...!

Quem já comprou prédio inteiro
conhece dinheiro vivo...
Senador: na Educação,
não diga “custo excessivo”
pois o preço da ignorância
é mais alto e permissivo.

Talvez mesmo os professores
ganhar melhor já pudessem,
se os senadores ganhassem
realmente o que merecem
e bem menos assessores
os políticos tivessem.

Deixo aqui no meu cordel
a modesta sugestão:
que descontem do salário
do “Senador-da-nação”
as horas-atividade
que trabalhadas não são.

P rezadíssimo político:
R espeito é muito importante.
B asta treinar; é possível
A vançar nisso bastante.
R esta só falar bem menos,
J ogando fora os venenos:
A gradeço nesse instante!
Paulo R. Barja