31 de agosto de 2013

Fácil assim

(mais um poema-letra-de-música-com-cara-de-coisa-do-Chico)


“sim”,
foi o que eu disse por fim
quando sorriste pra mim
à distância, ao telefone
e passei a noite insone
bruma e sal

não
não te livrarás de mim
não é tão fácil assim
sinto que é mesmo verdade
e não falo por vaidade
é real

vem
quero ser onda do mar
não há o que perdoar
quero mais agradecer
pelo sol que foi nascer
tarde enfim

vai,
delicadeza, criar
versos que eu possa levar
de presente na bandeja
pra dizeres “que assim seja”
seja assim

Paulo R. Barja

27 de agosto de 2013

Ela se chama...




Ana
ela se chama
mas no seu dia
fiz cantoria
para Maria
que eu nem sabia
mas existia
só que era...

Ana
que ora me engana
se finge
esfinge
diz que responde
pergunto "onde?"
então se esconde
por trás do nome
porém não some

não sei
se é inatingível
não sei
se isso é possível
sonhei
verso invisível
será?

mas Julia
que era Cecília
ou é Maria
ou Beatriz
olhou pra mim
então fiquei
feliz

Paulo R. Barja

25 de agosto de 2013

Soneto do Não Arrependimento

(para Piaf, pela voz em "Je Ne Regrette Rien". E na Vida.)


Eu não conheço mesmo tudo que há em mim:
os heterônimos submersos, os naufrágios,
os versos todos não escritos, os sufrágios...
não sei do início, nem do meio, nem do fim.

Mas eu conheço a plenitude dessa entrega
a todo Tempo, em cada Espaço, a cada Vida:
nada é matéria morna ou dor amortecida.
Montanha russa? É, talvez... não cabra-cega!

Não me arrependo: dou valor a cada instante.
Verdade interna, a transparência no sentir
me descortina um dia lindo logo adiante.

"Je ne regrette rien", já disse voz que eu amo.
Eu não represo sentimento. Quer sair?
Que saia em versos, em canção. Eu não reclamo.
Paulo R. Barja

24 de agosto de 2013

TInha tudo, só não sabia ouvir


   Era jovem e bonito. Nada lhe faltava. Nada, a não ser uma certa paciência. Gostava demais de falar, mas tinha extrema dificuldade pra ouvir. E, quando ouvia, pela primeira metade da frase já tirava conclusões precipitadas: 
- Ei, sabia que a sua mãe... 
- PODE parar, ninguém fala mal da minha mãe, babaca!
- ... é uma pessoa maravilhosa? Me deu o melhor conselho que eu podia ter ouvido essa semana...
   Mas aquele-que-não-escutava saía, mesmo assim, pisando duro, jurando que o outro tinha sido ofensivo.
   Levava a vida assim. A maioria das pessoas nem percebia isso: muitos ficavam encantados mesmo com aquela pessoa especial e, com o tempo, suspiros acumulavam-se ao seu redor - esses eram prontamente ouvidos... quem explica?
   Um dia caiu num poço. Acidente: um buraco enorme numa rua, reformas em execução paralisadas pela época das chuvas, sinalização péssima. Caiu.
   Não conseguia sair. Mas tinha boa saúde e teve todas as condições de gritar por socorro. Foi o que fez. Havia pouco movimento por ali, mas em alguns minutos apareceram pessoas dispostas a ajudar:
- Calma! Vamos buscar ajuda!
   Ele até viu as pessoas lá no alto. Só não pôde ouvir, preocupado que estava em continuar gritando: 
- Tem água aqui! Vou acabar morrendo! Ajudaí, SOCORRO!
   Os bombeiros chegaram rápido e um deles iniciou o salvamento:
- Amigo! NÃO tente nadar aí embaixo, ok? Vamos jogar uma corda, apenas agarre firme...!
- Por que não me tiram daqui de uma vez? Tem muita água! Vou nadar pra ver se encontro uma saída!
- Amigo, NÃO faça isso! A corda está quase chegando...
   Morreu por não saber ouvir.
P.R.Barja

4 de agosto de 2013

Soneto sem embrulho

(Paulo R. Barja)


Aceita sem embrulho o meu Presente,
Passado a tuas mãos para o Futuro.
Aceita, por favor, não quero furo
- por mais que eu seja sempre paciente.

Aceita a Vida plena que te envolve,
qual onda nesse mar sempre agitado.
Aceita, sem julgar - não é errado!
Cabeça trava? Um beijo então resolve.

Garrafas todo dia vão pro mar:
são sonhos (valem mais do que dinheiro),
sussurros de socorro a quem achar.

Aceita sem embrulho: eu te ofereço
o sol da meia-noite, esse braseiro,
a alma, o corpo - e desmedido apreço.

1 de agosto de 2013

Brechtiana


Nobreza da prostituta
- afinal, quem é avaro?
"Para os pobres, vou de graça;
 para os ricos, cobro caro!"

(P. R. Barja)

haikai


Para sempre agora:
AMOR pelo corpo adentro,
pela VIDA afora

(P.R.Barja)

Breves considerações políticas

anotações efetuadas durante a leitura do livro "Anarquismo, obrigação social e dever de obediência"
(Eduardo Colombo, SP: Editora Imaginário, 2003) 

O PODER DAS PALAVRAS
1) arkhê - "origem, início, o que toma a iniciativa", e também "comando, poder"
2) kratos - designa "predominância no combate", mas também pode ser entendido como "duro, cruel"
Duas leituras possíveis:
1) o sufixo -arquia designaria um "poder natural, justo, inaugural", enquanto o sufixo -cracia seria uma forma pejorativa para falar de um "poder bruto". Nesse sentido, a palavra "democracia" teria sido uma espécie de termo ofensivo, adotado inicialmente pelos inimigos da democracia (esta é uma especulação levantada por E.Colombo) 
2) o sufixo -arquia seria indicativo de uma espécie de "poder inicial, inaugural"... mas -cracia designaria um "poder conquistado como resultado de um embate" (esta é a minha hipótese)

JUSTIÇA
"Incapazes de fortalecer a justiça, os homens justificaram (legalizaram) a força."
(Blaise Pascal)

OS POLÍTICOS
"A sociedade política encontra especificamente capacidade para confiscar em seu favor todos os conteúdos possíveis da ação social. Sua ação comunitária supõe, ao menos normalmente, a pressão destinada a ameaçar e aniquilar a vida e a liberdade de movimento, tanto dos estranhos quanto dos que dela participam"
(Max Weber)

Haikai paradoxal


paradoxo (faxina):
na casa tão arrumada
não se acha mais nada

(Paulo R. Barja)