Mostrando postagens com marcador crise. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador crise. Mostrar todas as postagens

28 de fevereiro de 2018

Caro Demais

   Na triste manhã de sábado em que escrevo, um trabalhador está sendo velado em São José dos Campos; será sepultado à tarde. Foi assassinado durante o trabalho. Não falo de um empresário, industrial ou político; também não é diretor de empresa de ônibus nem Secretário de Transportes. Trata-se de um cobrador de ônibus, baleado durante um assalto na sexta-feira, 16 de fevereiro. Por conta disso, a paralisação dos cobradores e motoristas de ônibus no dia seguinte não é apenas justa: é necessária, para denunciar a absoluta fragilidade da vida de um cidadão trabalhador nesta cidade.

   Vejamos: São José dos Campos tem hoje uma das maiores tarifas de ônibus do Brasil (fica atrás de Brasília e Campinas). Mesmo assim, as empresas de ônibus solicitam aumento de quase 40% na tarifa – devem mirar o Livro dos Recordes. Surreal, já que nenhuma categoria de trabalhadores recebeu esse aumento – nem os secretários do prefeito, já contemplados com polpudos 19%. Pergunta-se: que segurança essas empresas – e, em última análise, a prefeitura – oferecem ao cidadão? A pontualidade é questionável; a disponibilidade de veículos em certas linhas beira o ridículo, com ônibus a cada hora e meia, provando que o sistema público de transporte visa o benefício apenas dos “de cima”, submetendo a população a duras condições de lotação – tentem espremer seis pessoas por metro quadrado, como as empresas aceitam nos ônibus.

   Atenta-se contra a vida a cada momento, aqui. Dizem que o barato sai caro. Aqui em São José, o caro é inaceitável.

Paulo R. Barja

29 de abril de 2012

"FOGO FÁTUO" e o dilema PROZAC/PROJAC


   "O REI ESTÁ NU!" - essa é certamente a frase que ressoa em muitos dos espectadores da peça FOGO FÁTUO, em cartaz no SESC Santana até 27/5. Trata-se de um trabalho vigoroso que tem como uma de suas maiores virtudes a profunda honestidade que propõe nas relações entre as diversas instâncias presentes (de um modo ou de outro) em cena: escritor, ator, indivíduo, público, cidadão, sociedade, criador/criatura... "e o diabo a 4".

   Nunca é demais lembrar que o mito é, talvez por definição, atemporal - assim como a questão do criador-em-crise (presente "dia sim, outro também") em tantos de nós, reconheçamos. Mas é claro que o tema ganha relevância nesses "tempos modernos" em que a dupla PROZAC e PROJAC parece comandar o imaginário (e o real) de boa parte da sociedade. Se a meta é "crescer e aparecer" a todo custo, de preferência sorrindo e mandando beijinho pra galera, nega-se cada vez mais o direito à crise, ao tempo de amadurecimento da criação, ao silêncio necessário do criador. Tudo é ritmo, tudo é pressa, os fins justificam os meios e algo acaba se perdendo no "Vale Tudo das Artes".

   FOGO FÁTUO propõe um respiro necessário nessa loucura. Poderia ser receitada como "prescrição médica" para alguns, contra a mentalidade fast food tão presente em nosso cotidiano. Nesse sentido, é fantástico o início da peça, que de cara já propõe uma quebra de ritmo: somos inseridos no tempo-sem-tempo (o fade-out final poderia explorar ainda mais isso, com as luzes baixando lentissimamente para nos lembrar de respeitar este tempo-sem-tempo do Escritor criando. Talvez alguns tenham pressa de bater palma e levantar, mas outros vão captar a mensagem).

   O trabalho é um típico work-in-progress: logo após a apresentação do último sábado, pudemos acompanhar um pouco do sempre instigante processo de (re)criação, com sugestões sendo coletadas e compartilhadas entre criador e criatura. Mas, afinal, quem é quem? Nem é o caso de fazer a pergunta, uma vez que ambos criam e são criados em cena. E aqui temos um fato curioso: a nítida diferença de desenvoltura cênica entre Hélio Cícero e Samir Yazbek (nem seria justo exigir “paridade” aqui) colabora inclusive para trazer novas camadas de leitura a alguns trechos da peça. Insistente, a pergunta “Quem é você?” é provocadora e essencial para este Escritor em busca de uma pista criativa – que pode vir na forma de um pacto proposto por Mefisto em crise.

   Apenas discordamos de um pequeno trecho do texto de apresentação no programa da peça: a crise compartilhada entre Fausto e Mefisto (este, auxiliado pela interpretação soberba de Hélio Cícero), em vez de gerar descrença, acaba sendo um último e maravilhoso recurso de sedução. Uma espécie de "canto do cisne", ao qual é praticamente impossível o Escritor manter-se surdo. O pacto, agora democratizado, ressurge como solução digna para ambas as partes. Afinal, se a "outra" alternativa é a proliferação da maldade gratuita, talvez ainda seja melhor garantir um espaço para Mefisto nesse mundo.