25 de junho de 2014

Crônicas da Copa: Deus é brasileiro, Neymar também


     Foi por volta dos 15 minutos de jogo. O zagueiro adversário simplesmente empurrou Neymar, arremessando-o contra o alambrado e as câmeras da imprensa. Em seguida, claro, o brutamontes resolveu se fingir de bonzinho e estendeu a mão, mas o jogador brasileiro nem viu. Estava olhando o futuro.

     Um minuto depois, Neymar recebeu na área e fez, num chute de primeira, o gol do Brasil. É assim que ele responde às pernadas: com lirismo. E lirismo de uma eficácia mortal.

     Mas os Camarões ainda não estavam mortos e enterrados. Muito pelo contrário: logo em seguida foram para a frente, meteram uma bola na trave e, segundos depois, empataram o jogo.

     Empate útil: serviu para evidenciar os erros de posicionamento da defesa do Brasil, as falhas de marcação. Isso sem falar em Marcelo, o saltimbanco trapalhão. Desde que fez aquele gol contra nos minutos iniciais da Copa, continua perdido. Enfim...

     Após o empate, todos viram Neymar se aproximando para conversar com Felipão à beira do campo. O técnico do Brasil fazia gestos e caretas. Minha dublagem para a cena:

     – Poxa, professor, quer dizer que agora vou ter que fazer outro?

     – E o que é que EU posso fazer? Vai você, garoto!

     Um minuto depois, Neymar chegou na entrada da área com a bola dominada, cortou o zagueiro e fez outro golaço. Daí em diante foi a torcida em festa até o intervalo. E ali, antes do retorno a campo, houve a cena-resumo da ópera: um jogador da seleção de Camarões foi até Neymar e pediu a camisa do craque – que atendeu na hora. Simples, tranquilo, feliz.

     Que seja um exemplo para todos nós na vida. Tomar empurrão é muitas vezes inevitável, reagir é absolutamente natural – mas saber superar beira o sublime.

     Acontece assim: o gênio esbanja desprendimento e generosidade. O craque joga para a equipe e ajuda a equipe a jogar. No segundo tempo, saiu enfim o primeiro gol de Fred (nosso centroavante, ou seja, aquele que é pago para fazer gols). Alívio e alegria geral da plateia e do time. Todos festejam. São essas comemorações, aliás, que vão aos poucos dando a aura de time, de conjunto e, ouso dizer, de Brasil para a seleção.

     Com o jogo decidido, e percebendo o tamanho dos jogadores de Camarões, o técnico brasileiro tirou Neymar do jogo. Tirou também Hulk e Paulinho, que estavam mal e foram substituídos por Ramires e Fernandinho. Quanto a este último, garanto que muitos estranharam: “Quem? Mas nem no álbum de figurinhas da Copa esse tal de  Fernandinho aparece!”

     O fato é que o autofalante do estádio transmitia o resultado parcial do outro jogo do grupo e o México vencia a Croácia por um a zero, dois a zero, três a zero... epa! Empate no saldo de gols entre México e Brasil. Era urgente fazer mais um gol.

     Acontece assim: o craque, mesmo após a substituição, continua em campo. Inspira os companheiros e a torcida. E foi um inspirado Fernandinho que fez o quarto gol brasileiro (agora, se alguém perguntar quem é Fernandinho, já dá para responder: “aquele do quarto gol”).

     No meio da euforia, ainda tive a sensação de que seria bom olhar o jogo do México. Mudei de canal (sob protestos da plateia presente) bem na hora do gol da Croácia, que reduzia o saldo mexicano e sacramentava o Brasil como líder do grupo.

Um comentário pós-jogo:
Quando o jogador é craque mesmo, é um perigo fazer dois gols numa só partida. Corre-se o risco de esquecer as dezenas de jogadas geniais do sujeito e falar só dos gols. Não vou cometer esse pecado aqui: o que o Neymar fez nesse jogo é coisa de lenda, seja curupira ou saci pererê. Só faltou dar nó em pingo d´água. Após o jogo, um locutor comentava os gols do Neymar dizendo: “coitados dos zagueiros”. Discordo. Na minha opinião, feliz do zagueiro que teve a honra de ser driblado pelo Neymar – pode até pedir a camisa dele para guardar de lembrança.

P.S.: Nos outros jogos, deu o esperado: 1) Holanda 2, Chile 0, placar definido apenas nos últimos 15 minutos, quando a Holanda resolveu jogar de verdade; 2) Espanha 3, Austrália 0, despedida algo melancólica dos ex-campeões mundiais, valorizada pelo belíssimo gol de Villa, de letra.
23/junho/2014

23 de junho de 2014

CR7ônicas da Copa: Até o último instante - e além

      Amigos: falemos sobre EUA x Portugal, este confronto épico e improvável que ocorreu em gramado brasileiro agora à noite. Dramaticidade total! Um placar decidido aos 49 minutos do segundo tempo de jogo – aliás, faltavam 20 segundos para o apito final – comprova de uma vez por todas que estamos vivendo a Copa das Copas. Por isso, não queiram objetividade nesta hora. Não é possível. Um jogo definido deste modo é uma aula sobre Arte e humanidade: aumenta a responsabilidade de atores de teatro e cinema, de bailarinos, compositores, poetas. Sim! Não é possível aceitar a mediocridade – nem nos palcos, nem nos gramados – após testemunhar uma apresentação assim.

      Não estou falando de qualidade ou técnica, compreendam. O que uma partida de futebol como a de hoje nos ensina é que não podemos nos conformar com manifestações artísticas definidas e/ou controladas por bur(r)ocratas via editais. É necessário garantir espaço para a invenção, o improviso, até mesmo para o desespero criativo. Pois foi esse o grande mérito de Portugal neste jogo: o desespero criativo. Acreditar além do possível, ou, por outro ponto de vista, recusar-se a aceitar o que se convencionou chamar de “destino”. Por sinal, há décadas, o próprio gênio mudo falou: “que nossos esforços desafiem as impossibilidades”. Grande Chaplin.

      Vejam que coisa: Portugal, hoje, ensinou-nos a desconfiar do fado, da fatalidade!

      Nunca houve craque tão vilipendiado antes da hora quanto Cristiano Ronaldo. Eleito melhor do mundo recentemente! Mas a humanidade é bárbara, sádica, perversa. Mal começou o jogo e já se lia nas redes sociais as mais terríveis acusações: Cristiano isso, Cristiano aquilo, Cristiano não veio ao Brasil e tal. Querem saber mais o que? Amigos meus, gente boa que conheço, acusou Cristiano de ter virado astro só porque é um jogador que tira a sobrancelha. Sim, meus amigos, até isso foi dito. E o mais incrível é que, por exatos 94 minutos, não houve resposta possível.

      Todos os que viram o jogo perceberam que o crucificado Cristiano enfrenta problemas físicos. É o joelho! Sempre é o joelho. Mas também está nitidamente em estado de exaustão, fraqueza física até. Não sou médico, não sei dar diagnóstico preciso. Pode mesmo ser tristeza, melancolia, dessas que às vezes atingem os melhores do mundo – estaria legitimamente dentro do espírito português algo assim.

      Pois bem: durou 94 minutos isso. Tudo seguia o roteiro já tradicional da Copa 2014: um time faz o primeiro gol e em seguida retrai-se até levar a virada. Com um agravante: o segundo gol dos Estados Unidos foi feito... de barriga! Golpe de sorte, talvez, mas humilhante ao ponto de irritar os deuses. Não se poderia admitir um final de drama assim, tão antidramático – tão pequeno, se me permitem.

      Então aconteceu: no último lance do jogo, Cristiano recebe a bola na direita, corre com ela e faz o cruzamento mais perfeito desta Copa, colhido perfeitamente por Varela para decretar o placar final. Dois a dois, e qualquer definição fica para a próxima rodada.

      As chances de classificação da seleção portuguesa são ínfimas, após esse empate. Mas existem. E, se a Península Ibérica resiste ainda até o fim da semana, isso ocorre graças a Portugal. E a Cristiano, que cristianamente superou a dor, o joelho, a melancolia e nos reensina, mais uma vez, a desafiar as impossibilidades.

      Para mim, este único lance já valeu a vinda de Portugal.

22/junho/2014