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7 de julho de 2017

Um cordel feito ao vivo

No final de junho/2017, fui chamado a colaborar com a programação "Fora da Caixa", do Parque Vicentina Aranha, em São José dos Campos. Minha tarefa era desafiadora: eu deveria acompanhar o bate papo com os autores Paulo Freire e Tenório Cavalcanti e fazer inserções poéticas na forma de cordel, compondo em tempo real um folheto sobre o encontro. Nasceu aí o Cordel Joseense 76 (clique no link abaixo para conhecer o texto na íntegra).



31 de janeiro de 2014

A POESIA NA CANÇÃO (ou “Há Poesia na Canção ?”)

(artigo publicado originalmente na edição de Março/2000 da Revista SINPRO CULTURA)

A poesia e a música têm andado de mãos dadas nos últimos 1000 anos – embora nos dias de hoje nem sempre seja fácil encontrar provas disso. Através dos meios de comunicação, temos sido bombardeados com produtos que, com alguma boa vontade, podem até ser classificados como música, mas certamente não podem ser confundidos com poesia.

Na Idade Média, havia compositores empenhados justamente em buscar a fusão perfeita entre poesia e música. Eram os trovadores, particularmente numerosos na França (a palavra trovador vem da língua francesa e significa “aquele que encontra”). Por exigir um elevado grau de instrução, o ofício dos trovadores era uma alquimia reservada a poucos – a grande maioria deles pertencia à nobreza.

Com sua poesia refinada, pode-se dizer que os trovadores criaram o que hoje se conhece como “canção de amor”. Seus poemas cantados também são um relato fascinante da vida na Idade Média. Além de cantar o amor, os trovadores se exercitavam na crítica de costumes (como nas peças satíricas do manuscrito Carmina Burana) e também se dedicavam à fé (as Cantigas de Santa Maria, conjunto de mais de 400 canções compostas no reinado de Alfonso X, relatam milagres atribuídos à Virgem, num pioneiro uso da música como marketing religioso).

Com o passar dos séculos, a música continuou presente na pena de escritores como Shakespeare, que compunha letras de canções para suas peças. Outros nomes importantes da literatura universal, como Garcia Lorca e Mário de Andrade, chamaram a atenção para a rica poesia encontrada nos cantos folclóricos de seus países. Assim, uma coisa parece certa: poetas gostam de música.

A ligação entre os poetas e a música pode ser comprovada pela frequência com que muitos chegam a lançar gravações recitando ou mesmo cantando acompanhados por músicos. É curioso, mas nem sempre funciona. Nesses casos, melhor que ouvir os autores é procurar gravações dos poemas declamados por atores, normalmente mais experientes em evidenciar a música interior de cada poema.

Os músicos também gostam de poesia. Maria Bethânia, aquela que talvez seja a maior intérprete da música popular brasileira, sempre incluiu em seus shows trechos de poemas (especialmente de Fernando Pessoa). Artistas como Bethânia dão valor literário ao canto: compreendem que música e poesia são formas complementares para expressar nossos sonhos e dramas.

No Brasil, talvez o maior caso de amor entre um poeta e a musa música seja o de Vinícius de Moraes. Vinícius, que teve o mestre Tom Jobim como parceiro, chegou inclusive a ser considerado um dos “músicos do século” em concurso promovido por uma revista brasileira no ano passado. Talvez esse tipo de confusão (Vinícius não era músico !) sirva para comprovar a simbiose às vezes conseguida entre música e poesia.

O fato é que uma característica fundamental da poesia é apresentar um ritmo próprio, uma cadência que pode ser percebida naturalmente quando a obra é lida em voz alta. Poesia tem tudo a ver com sonoridade. Em outras palavras, um poema sempre contém música. O inverso não é necessariamente verdadeiro: há mesmo canções que são monumentos de grande beleza sonora, embora compostas a partir de poesia pobre. Por outro lado, compor música a partir de boa poesia também não garante a qualidade da canção. Precisamos, aqui, fazer uma distinção entre a boa letra de música e a poesia na música. Claro, é uma distinção subjetiva; será que poderíamos estabelecer um critério para encontrar essa diferença? Proponho um exercício simples: recitar a letra da música. Se ainda houver ritmo, se a letra não perde a beleza e o interesse sem o auxílio da melodia, então estamos falando de poesia.

Não há forma ou movimento musical  privilegiado para a difusão da poesia: ela pode aparecer tanto nas canções de Kurt Weil quanto em rocks vigorosos como os cantados por Morrisey, o bardo inglês que liderou o grupo The Smiths nos anos oitenta, passando pelas sagas narrativas de Bob Dylan (agora Nobel, mas poeta desde sempre). Em Portugal, as cantoras Eugénia Melo e Castro e Mísia se empenham em resgatar a união entre poesia e música. A primeira chegou a gravar um CD dedicado à obra de Vinícius de Moraes, enquanto Mísia colocou música em poemas de mestres como Drummond e Fernando Pessoa, entre outros. No Brasil, a poesia pantaneira de Manoel de Barros já virou música nas vozes de Tetê Espíndola e Cátia de França.

Um belo exemplo de união entre poesia e música pode ser encontrado no disco sugestivamente o Zona de Fronteira, do trio João Bosco, Waly Salomão e Antônio Cícero. Também Adriana Calcanhoto já compôs a partir de poemas de autores variados. O grupo Secos & Molhados, porém, merece destaque: nem todos sabem que vários de seus sucessos eram “parcerias” com poetas famosos, de Manuel Bandeira a Oswald de Andrade.

Ainda hoje, podemos encontrar compositores que trabalham com extremo refinamento tanto a poesia quanto a música, na trilha dos trovadores medievais. Nesse sentido, há trinta anos Caetano Veloso é provavelmente o maior trovador brasileiro. Reconhecido como cantor por muitos, conhece poesia como poucos. Chico Buarque também domina a arte trovadoresca de combinar som e sentido, canto e poesia. Quanto aos compositores da nova geração, temos hoje Zeca Baleiro, Chico César e tantos outros que, se não são poetas, ao menos são bons letristas – o que já não é pouco. E temos Arnaldo Antunes, verdadeiro poeta pop. É, fazendo as contas, até que há bastante poesia na canção popular brasileira. Ainda bem.

- Paulo Barja

24 de junho de 2012

Dominical

(para a escritora Rita Elisa Seda, agradecendo pela leveza)

   Em pleno domingo, acordei às 7 da manhã. Às vezes, é natural: o corpo, acostumado à rotina semanal, sente que está passando da hora de levantar. Mas hoje não foi o caso: acordei com os gritos de um "pastor" da igreja evangélica mais próxima. Às 7h de um domingo, ele iniciou sua pregação a plenos pulmões - e com microfone, talvez para garantir que dezenas ou centenas de pessoas da vizinhança acordassem.
   Fiquei bravo, claro: será que ele não sabe que isso é uma violência contra o próximo? E questionei qual seria o papel de Deus nisso tudo: "será que Ele usa aquele pastor para testar nossa capacidade de perdoar e até oferecer a outra face (ou, no caso, o outro ouvido) diante de tamanha agressão?
   Sem resposta, não tive como ficar na cama - fui até a cozinha preparar o café da manhã. Aí resolvi fazer uma salada de frutas (luxo impossível na correria semanal): mamão, maçã, banana. Aí, de repente, fui novamente visitado pela percepção de como é maravilhosa a Natureza. Quanto nos oferece! Detalhe: sem cobrar dízimo e, na maioria das vezes, silenciosamente...
   O café ficou pronto; o dia também. Sensação de agradecimento pelas gentilezas da Vida. Gratidão por sutilezas que combinam com o silêncio - um silêncio pleno, de felicidade tranquila.
   Levantar a voz? Sim: sempre que for necessário denunciar alguma injustiça.
   Para agradecer, às vezes basta o silêncio...
P.R.Barja

31 de julho de 2011

Diário de um processo (5) - Teatro-cordel

"A Seca da Alma", um registro do início da trajetória

    LEITURAS
     Retomamos a busca das notícias e encontramos, já no mês de julho:
- Censo 2010 revela que a região do Vale do Paraíba abriga 21 mil famílias de miseráveis;
- No Banhado de São José dos Campos, moradores protestam contra a retirada a que estão sendo forçados em nome da modernização (e da "limpeza" que dá voto)
     A cada leitura, a cada notícia, vai se fortalecendo na gente a vontade de levar o trabalho e essas questões para a rua, para os cidadãos, evitando ficar naquela zona confortável das apresentações "de artista pra artista". Por isso, estabelecemos a meta de levar o trabalho também (e principalmente) para espaços públicos "não-teatrais". Praça e rua também, claro, mas sem limitar o trabalho a "teatro de rua". Uma ideia começou a bater forte: e se a gente pudesse levar a apresentação para igrejas...? Acho que ainda faremos isso.
     Além dos jornais, outras leituras... a principal: a biografia de Luís Gonzaga escrita pela jornalista francesa Dominique Dreyfus. Começamos a ler e discutir trechos em nossas reuniões, pois a vinda dele (e, depois, da família) para o RJ coincidia em muitos aspectos com a história que se delineia aos poucos em nossa dramaturgia.
     Sobre a Seca de 32, os textos do Valdecy Alves ajudavam. E havia dois outros temas a pesquisar, para ambientar a dramaturgia: Lampião e Padre Cícero. Em ambos os casos, uma fonte importante de pesquisa foram os cordéis. Sobre Lampião, são tantos folhetos que seria injusto citar algum. Mas, no caso do Padre Cícero, não há como deixar de destacar o folheto de cordel "A Vida do Padre Cícero", de Manoel Monteiro, pela visão crítica, ferina mesmo (além da qualidade da poesia). Uma grande alegria: o folheto havia sido enviado para mim pelo próprio autor (tido hoje como o maior cordelista vivo do Brasil), junto com uma carta datilografada, extremamente gentil - daquelas escritas por gente que não precisa mais provar nada a ninguém. Obrigado, mestre!
     Em paralelo, comecei uma pesquisa sobre linguagem e expressões que poderiam ser aproveitadas no texto da peça. Além da leitura contínua de folhetos de cordel variados, pesquisei nessa etapa a obra de Câmara Cascudo "Locuções Tradicionais no Brasil" (ed.Itatiaia, 1986). Apesar de extensa e bem cuidada, a obra de Cascudo não forneceu material que se pudesse aproveitar diretamente no texto da peça. Era preciso encontrar algo mais regional... aí me lembrei do presente que eu havia recebido da Méssia, de Teresina:
- Cunha, P. J. Grande Enciclopedia Internacional de Piaiuês (ed. Oficina da Palavra, 4a.ed., 2009)
     Encontrei nesse livro uma verdadeira pérola...

(continua)