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13 de novembro de 2011

Diário de um Processo (13) - Teatro-cordel


   Os meses de setembro e outubro foram dedicados pela trupe da peça "A Seca da Alma" a trabalhos diversos. Entre as atividades diretamente ligadas à preparação da peça, destacamos o treinamento semanal de corpo com a atriz Adriana Barja.
   Também neste período houve a mudança do nome do grupo, que passou a se chamar Cia Mundo Teatral, e uma mudança no elenco, com a saída da Anne Karoline (que vai estudar e cantar em terras paulistanas) e a entrada do Diego.
   Em consequência destas mudanças, foram feitas alterações na divisão dos textos da peça.
 
   Ainda estamos (sempre!?!) em processo.
 
   O maior desafio ainda é o de sempre: trazer as imagens da seca (e da história) para o público. Continuamos pedindo aos atores que visualizem as (muitas) imagens presentes no texto.
 
   Depois de vários meses de trabalho, chegamos enfim a uma proposta clara quanto aos personagens:
                                   - O pai
                                   - A mãe
                                   - A vizinha-comadre
                                   - O violeiro
 
   Também temos agora um modelo padrão para os cartazes e material de divulgação da peça, com a criação de uma xilogravura especificamente para "A Seca da Alma", feita pelo jovem Aron dos Santos, de Taubaté (também parceiro de criação de capas dos Cordéis Joseenses).
 
   Além de trabalhar na história da peça propriamente dita, seguimos nossa pesquisa contínua de notícias ligadas ao tema da peça (migração), com dois objetivos principais: 
1) manter sempre atualizada a seção inicial (teatro-jornal); 
2) estabelecer, cada vez mais, pontes entre os relatos orais/literários/históricos e nossa realidade atual. 
   Nesse momento de "efervescência criativa" (a próxima apresentação do grupo está marcada para 19/11), uma notícia publicada hoje no jornal O Vale chama a atenção para o fato de que, no século XXI, a cidade de São José dos Campos continua sendo campeã regional em número de migrantes. De fato, esta parece ser uma característica fundamental de São José, que justifica e amplia o sentido de nosso trabalho na peça.
   A respeito da matéria publicada na imprensa, enviei ao jornal o seguinte comentário, que proponho aos atores que seja incluído no início da peça:
  " Nos últimos 20 anos, quase 90 mil pessoas migraram para São José dos Campos, ajudando a construir a identidade joseense neste início de século XXI. Grande parte veio do Nordeste. São migrantes - e são joseenses. E cada uma dessas pessoas merece o nosso respeito e o nosso agradecimento - não importa o bairro onde moram. "

* para saber mais sobre nosso processo de criação em "A Seca da Alma", digite "processo" ou "Seca da Alma" na caixa de pesquisa à esquerda, no alto do blog.

(continua)

31 de julho de 2011

Diário de um processo (5) - Teatro-cordel

"A Seca da Alma", um registro do início da trajetória

    LEITURAS
     Retomamos a busca das notícias e encontramos, já no mês de julho:
- Censo 2010 revela que a região do Vale do Paraíba abriga 21 mil famílias de miseráveis;
- No Banhado de São José dos Campos, moradores protestam contra a retirada a que estão sendo forçados em nome da modernização (e da "limpeza" que dá voto)
     A cada leitura, a cada notícia, vai se fortalecendo na gente a vontade de levar o trabalho e essas questões para a rua, para os cidadãos, evitando ficar naquela zona confortável das apresentações "de artista pra artista". Por isso, estabelecemos a meta de levar o trabalho também (e principalmente) para espaços públicos "não-teatrais". Praça e rua também, claro, mas sem limitar o trabalho a "teatro de rua". Uma ideia começou a bater forte: e se a gente pudesse levar a apresentação para igrejas...? Acho que ainda faremos isso.
     Além dos jornais, outras leituras... a principal: a biografia de Luís Gonzaga escrita pela jornalista francesa Dominique Dreyfus. Começamos a ler e discutir trechos em nossas reuniões, pois a vinda dele (e, depois, da família) para o RJ coincidia em muitos aspectos com a história que se delineia aos poucos em nossa dramaturgia.
     Sobre a Seca de 32, os textos do Valdecy Alves ajudavam. E havia dois outros temas a pesquisar, para ambientar a dramaturgia: Lampião e Padre Cícero. Em ambos os casos, uma fonte importante de pesquisa foram os cordéis. Sobre Lampião, são tantos folhetos que seria injusto citar algum. Mas, no caso do Padre Cícero, não há como deixar de destacar o folheto de cordel "A Vida do Padre Cícero", de Manoel Monteiro, pela visão crítica, ferina mesmo (além da qualidade da poesia). Uma grande alegria: o folheto havia sido enviado para mim pelo próprio autor (tido hoje como o maior cordelista vivo do Brasil), junto com uma carta datilografada, extremamente gentil - daquelas escritas por gente que não precisa mais provar nada a ninguém. Obrigado, mestre!
     Em paralelo, comecei uma pesquisa sobre linguagem e expressões que poderiam ser aproveitadas no texto da peça. Além da leitura contínua de folhetos de cordel variados, pesquisei nessa etapa a obra de Câmara Cascudo "Locuções Tradicionais no Brasil" (ed.Itatiaia, 1986). Apesar de extensa e bem cuidada, a obra de Cascudo não forneceu material que se pudesse aproveitar diretamente no texto da peça. Era preciso encontrar algo mais regional... aí me lembrei do presente que eu havia recebido da Méssia, de Teresina:
- Cunha, P. J. Grande Enciclopedia Internacional de Piaiuês (ed. Oficina da Palavra, 4a.ed., 2009)
     Encontrei nesse livro uma verdadeira pérola...

(continua)

19 de julho de 2011

Diário de um processo (3) - Teatro-cordel

     (...)
     Nas reuniões, comecei a falar para o pessoal sobre Leandro Gomes de Barros, que a meu ver era referência fundamental para nosso trabalho. Trouxe alguns textos dele para a roda e acabamos selecionando pra estudo o folheto "A Seca no Ceará", publicado pouco após a terrível Seca de 1915. Em nosso caso, no entanto, o cordel do mestre Leandro serviria para descrever e contextualizar as agruras referentes a um outro momento histórico, que nos interessava em particular: a Seca de 1932, também no Ceará.
     Começamos a ler sobre a Seca de 1932. De cara, dois impactos: o primeiro foi perceber o tanto de História do Brasil que NÃO se ensina/aprende nas escolas. O segundo: quanta opressão, quanto descaso das autoridades frente ao povo, quanto preconceito, quantas divisões forjadas, forçadas, num povo que deveria estar unido... Os trabalhadores rurais, na época da seca, chegando em Fortaleza apenas com a roupa do corpo (os que tinham roupa) e sendo deslocados para campos de concentração - sim, campos de concentração!
     Que sensação estranha: ficar revoltado - profundamente revoltado - por algo que aconteceu há quase 80 anos, e a centenas de quilômetros de distância...!
     Mas esse povo é também o nosso povo. Essa história é também a nossa história.
     Havia a dúvida: qual o sentido de falar disso aqui, agora? Pra mim, de cara, havia o interesse de compartilhar essas histórias com outras pessoas daqui que, como eu, talvez ainda não soubessem. Mas logo vimos que há mais que isso. 
     Essa história da seca é também a história dos nordestinos que foram levados a "viajar para o Sul" (viajar para SP ou para o RJ também é "viajar para o Sul", no jargão da migração) para buscar trabalho e que, chegando aqui, foram e ainda são vítimas do preconceito - a verdadeira "seca da alma".
     Começamos a coletar depoimentos de nordestinos que vieram para cá - relatos ao vivo e/ou via internet. Percebemos que essa é uma trilha que vai longe, e um caminho riquíssimo de pesquisa.

(continua)

18 de julho de 2011

Diário de um processo (2) - Teatro-cordel

     (...)
     Enfim, foi-se formatando uma primeira ideia: amarrar os poemas com música e encerrar fazendo a leitura de notícias atuais sobre os problemas sociais ligados aos temas do espetáculo.
     Nessa altura fiquei sabendo que a moçada tinha inscrito o trabalho (?!?!) numa mostra de teatro. Muita empolgação: afinal, ainda estávamos pensando o espetáculo! Enfim, ok, vamos lá...
     Começamos a trabalhar a parte musical. Já havia alguma percussão, mas faltava algo - que envolvesse a voz e ao mesmo tempo não se afastasse do sertão. Eu queria flauta (flauta e percussão é uma combinação que funciona bem desde a Idade Média, e o sertão tem algo de medieval), mas sabia que não seria possível em pouco tempo.
     Aí recebemos um reforço importante: a Anne! E, junto com a chegada dela, pintou a ideia de colocar viola no espetáculo. E, com a viola, nasceu a música para abertura (e encerramento?) da apresentação: "Vida é pra celebrar". Na letra, uma espécie de "declaração de intenções" do grupo:

Vida é pra celebrar
Paulo Barja

A gente não veio aqui
pra fazer número não:
a gente veio cantar
a gente veio contar

Vida é pra celebrar
mesmo a mais pequenina
morte e vida severina
no sertão e na campina
vida mãe, vida menina
Vida é pra celebrar

Não vai nos assustar o bico do carcará (2x)

Vida é pra celebrar
mesmo a mais pequenina
morte e vida severina
no sertão e na campina
vida mãe, vida menina
Vida é pra celebrar

Não vai nos assustar o bico do carcará (2x)

Vida é pra celebrar (4x)
(continua)

6 de julho de 2011

Diário de um processo (1) - Teatro-cordel

Escrevo aqui guiado pela vontade de compartilhar e deixar registrado um processo de trabalho que está sendo iniciado com a Cia Independente de Teatro. Meio difícil de definir - vamos chamar de "teatro-cordel". Está no início mas já se configura como um processo (internamente, ao menos) revelador e instigante. Nestes primeiros escritos vou tentar dar um panorama da história até agora; mais pra frente, a ideia é fazer uma espécie de diário de criação.

O ponto de partida
Na última semana de abril, recebi um telefonema do Osni (que eu não conhecia até então). Era sobre uma proposta de trabalho com literatura de cordel, queriam que eu visse e "desse uma força".
Fui. Num teatro escondido, quase abandonado, ouvi o trio (Silvia Galter e Mariana Alpino estavam com ele) recitar o poema "A Morte de Nanã", do Patativa do Assaré - que, diga-se de passagem, não é exatamente um cordelista, né Arievaldo? Na ocasião, entendi que a ideia era ajudar a organizar uma espécie de performance poética e musical que pudesse ser levada a diversos ambientes.
Dei uns toques quanto à leitura/declamação, os aspectos rítmicos, a divisão de frases, momentos de pausa etc. Foi um primeiro contato agradável.
Logo em seguida, fui viajar. Duas semanas depois, o poema estava melhor e começamos a trabalhar nas músicas que o grupo propunha apresentar. À medida que o repertório ia se definindo (a música do Almir Sater acabou saindo), clareava-se na gente a magnitude do tema central: a seca no Nordeste.

Tchekhov em BH
Em seguida, fui com Adriana, Bebel e amigos para BH. Acampamos na casa (melhor ainda: na biblioteca!) da Inês e do Eduardo (Grupo Galpão). Vimos a montagem do Galpão para Tio Vânia, do Tchekhov. Belíssimo trabalho! Algumas coisas ficaram "martelando" na minha cabeça... a principal: bons textos são atemporais. Porque trazem, ainda que naturalmente inseridas num determinado contexto histórico, questões grandes, fundamentais ainda hoje.
Falar de opressão bem que poderia ser algo ultrapassado... mas não é.

Carcará e as estatísticas
De volta a SJC, as reuniões semanais continuavam. Começamos a pesquisar mais sobre a Seca de 1932 no Ceará. Neste ponto, veio à tona uma referência básica e fundamental: Bethânia cantando Carcará, na década de 60, e "recitando" brilhantemente as estatísticas da migração. Aí surgiu uma ideia de pesquisa: vamos investigar as estatísticas ATUAIS do Nordeste brasileiro, em termos de problemas como o analfabetismo e a mortalidade infantil? Fomos. E aí começou a batalha da edição das notícias (e das estatísticas do IBGE), para que pudéssemos inserir no trabalho alguns destes resultados. Começava a ganhar corpo aí a vontade de falar da vida dos nossos irmãos nordestinos para o pessoal daqui.

(continua)