30 de novembro de 2013
29 de novembro de 2013
Encontro com direito a manobrista
Estava no meio do expediente quando ligaram do banco perguntando por ele. Assustou-se: disseram seu nome completo.
"Sou eu...", respondeu, ressabiado. Mas não era pra tanto. A moça do outro lado da linha era só gentilezas. Moça? Sim, era moça com certeza, e pela voz devia ser linda. E fazia perguntas, firme e delicada ao mesmo tempo. Quando ele estaria livre para uma conversa? Hmm, que coisa mais inesperada, uma pergunta daquelas... aí resolveu entrar no jogo: "um minutinho, vou consultar a agenda..."
Ele não tinha agenda há anos. A última se perdera no tempo e até na memória. Depois de um minuto: "tenho a quinta-feira, no período da manhã", respondeu novamente ressabiado, achando que a qualquer momento anunciariam o trote.
"Excelente! Que bom! Venha às dez horas, então", a moça firme e bonita parecia animada ao explicar como ele faria para chegar "lá". "O senhor não se preocupe: temos estacionamento com manobrista no local... estarei à sua espera!"
Despediram-se cordialmente.
Chegou a quinta-feira. Às nove, ele já estava na expectativa. "É só às dez", pensou. "Fica até chato chegar cedo. Melhor olhar as notícias antes..."
Quando percebeu... já eram quase dez horas! Saiu esbaforido, camiseta e bermuda, sandália velha nos pés. "Tomara que a sandália aguente - e que a moça não repare."
Dez horas. Faltando uma quadra para chegar, toca o telefone. "O senhor vem, não é? Não se esqueceu de mim..."
Esquecer como? "Não, não, fique tranquila. Estou virando a esquina...!"
Chegou. Dois seguranças - de terno! - o receberam. Cumprimentaram-no - pelo nome completo - e ele entrou. Constrangido, atrapalhou-se com as duas portas automáticas. Parou em frente à segunda porta, de vidro. Aliás, parecia que tudo ali era de vidro. Não tudo: do outro lado do vidro da porta, dois olhos azuis o encaravam. Gentis, pacientes: dois olhos - e um sorriso discreto.
Ela era jovem. Linda. Amável: "Tudo certo? O senhor foi bem atendido pelo manobrista?"
"Vim a pé..." (num quase sussurro envergonhado) "Caminhando..."
E aí se encheu mesmo de vergonha: naquele espaço tão amplo e elegante, com várias salas de vidros esfumaçados, só ele era descuidado. Era ele o único elemento estranho no local.
Mas ela era hábil e soube dissipar a tensão rapidamente. Apresentou-o a alguém da diretoria, ao gerente de investimentos - e ofereceu café. "Ou deseja alguma outra coisa?"
"Café... café está ótimo."
Pode parecer até estranho, colocando desta forma, mas foi um café inesquecível. Forte, encorpado - mas o principal nem era o café em si. Havia um ar quase reverencial na moça. Ela o serviu com elegância e graça. Esguia, parecia modelo de capa de revista. E aqueles olhos...
"Vamos a um ambiente reservado, conversar um pouco", disse ela, e abriu de leve a porta de uma daquelas salas. "Epa! Desculpe" - e fechou a porta rapidamente. "Estão usando esta sala, vamos para o ambiente ao lado" - e foram.
Enfim, a sós. E ela começou a fazer um monte de perguntas. Perguntou inclusive se ele estaria disponível para breves encontros semanais. Ele sentiu necessidade de esclarecer. "Sabe como é... além do serviço, eu tenho mulher e filho, então tem que ver direitinho essas coisas de horário..."
"Ah! Então o senhor é casado?" - leve surpresa no tom de voz da moça. "Tudo bem, claro", e retomou o controle, novamente absoluta.
E aí ela disse, em tom de confidência, consultando uma ficha: "Sabe, consta aqui que o senhor é um excelente investidor...! Sua renda mensal gira em torno de X, não?"
"Ah... hmm... não... não, na verdade é muito menos que isso" - ele gaguejava. "Veja, eu sou professor..." - e na mesma hora voltou o incômodo: começou a achar a bermuda mais gasta; a sandália, mais velha...
Tudo finalmente fazia sentido: desde o primeiro telefonema, era engano.
Saiu de certo modo mais aliviado, sorrindo para os seguranças e o manobrista. "Coitados, trabalhando de terno num calor desses..."
P. R. Barja
27 de novembro de 2013
Sobre cavalos e palhaços
CAVALO:
um dos mais belos animais sobre a face da Terra. Elegante...!
Se a gente parar pra pensar, ser chamado de "cavalo"
só pode ser elogio...!
PALHAÇO:
um dos mais puros seres vivos sobre a face da Terra.
Desajeitado - pois a Vida é também tropeço.
Brincalhão - pois a Vida é também festa.
Se a gente parar pra pensar, ser chamado de "palhaço"
só pode ser elogio.
E é!
(Calvin Clown
- obs.: um pensamento tão profundo e maravilhoso só poderia ter vindo deste gênio sensível)
23 de novembro de 2013
A MELHOR GOIABA
(ou "Desventuras da Elite Acadêmica Paulista em Cuba")
Situação real vivida num congresso em Cuba, em maio de 2011: participando de um evento científico que envolvia pesquisadores do mundo inteiro, fomos convidados a conhecer fazendas participantes da rede de produção agrícola do governo cubano. Já havíamos visitado centros de pesquisa agropecuária na região de La Habana e estava claro que um dos focos mais importantes da pesquisa cubana era o manejo ecológico / controle biológico das pragas, praticamente zerando o uso de agrotóxicos e pesticidas. A única coisa chata é que, durante a visita, um pequeno grupo de brasileiros da “elite acadêmica paulista” parecia se divertir minimizando os resultados cubanos. Do alto de sua sabedoria ímpar, proferiam julgamentos como:
– Isso é extremamente precário, não funciona, que absurdo! Coisa de quem não tem dinheiro para investir!
Chegando a uma das fazendas, os organizadores do evento distribuíram goiabas aos congressistas. “Produção local”, diziam, orgulhosos. Mais que depressa, os três ou quatro chatos paulistas começaram a tirar sarro:
– Deve estar cheio de bicho, com certeza tem bicho, cuidado! Procura, que tem bicho aí!
Que vergonha que eu sentia de ter aquele infelizes como compatriotas: todo mundo saboreava as frutas e eles (3 ou 4 apenas) ali, examinando minuciosamente as goiabas.
Num certo momento, um deles gritou, exultante:
– Não disse? Achei! Olha aqui, gente, TEM BICHO na goiaba cubana!
O grupinho se amontoou em cima da goiaba para conferir... e aí rolou o vexame total. Muito sem jeito, um deles confessou:
– Xi, não é bicho não... é um fiapinho da goiaba mesmo...
Olharam uns pros outros meio sem graça e acabaram comendo as goiabas em silêncio.
Paulo R. Barja
17 de novembro de 2013
Barbosa (Supremo Haikai Federal)
Pula do próprio ego
e, antes de chegar ao chão,
morre de inanição
(P. R. Barja)
13 de novembro de 2013
1 de novembro de 2013
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