7 de janeiro de 2011

Conto curto: Manhã na selva

(porque às vezes as histórias nascem em prosa mesmo)

Manhã cedinho, mal o sol saía e eu cumpria minha sina. Abria caminho entre a selva fechada, cortando à esquerda e à direita com lâminas afiadas. O corpo se movia com dificuldade, tentando vencer o frio de um inverno que ainda se aproximava e já era sentido na pele. Eu sabia que os cortes tinham que ser precisos, para não ferir a mata além do estritamente necessário – e, mesmo assim, a contragosto. “Por quê ?”, pensava, às vezes. Mas não era momento de pensar: era fazer, e sem hesitação.
Não raro, sofria arranhões ou mesmo pequenos cortes, na ânsia de avançar através da mata densa. Será que teria fim aquilo ? Mas eu sabia que saberia quando a hora de parar chegasse. Não chegava.
Assim ia abrindo caminho, abrindo clareiras, clareando o dia, até que senti a presença de uma figura familiar.
Veio por trás, em aproximação tão direta quando sorrateira. De repente, laçando-me as pernas, disse:
– Papai, você fez a barba?! Muito bem, ficou lisinho!

(publicado originalmente na Revista Veredas, 2009)

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