29 de novembro de 2014

De Crença e Descrenças (uma crônica de 1994)


   Relembrando a época em que comecei a fazer catecismo percebo que, depois de algum tempo, tornei-me extremamente permeável à religião católica. Ou seja, comecei a gostar de ler a Bíblia e pensar em temas religiosos: Deus, a Criação, o Universo... Obviamente, por volta dos quinze anos, passei pela crise de rebeldia adolescente que me fazia renegar toda e qualquer crença, mas arrisco dizer que, das meditações surgidas na infância até a graduação em física, foi apenas um pequeno passo.

   Hoje, parece-me claro o quanto de crença temos nas mais diversas áreas do nosso (não tão) vasto conhecimento: filosofia, psicologia, pedagogia, biologia, política (votar é, em última análise, um ato de fé em pessoas e sistemas – e não se confunda isso com fanatismo, que também existe em todas essas áreas). A física é, por ironia, a área do conhecimento humano historicamente mais atolada em crenças as mais estranhas possíveis. Quando digo “por ironia”, refiro-me à legião de físicos que se dizem ateus. Como e por que acreditam, então, que a possível descoberta do último quark previsto na teoria desvenda de uma vez por todas a já milenar busca pelos “blocos fundamentais da matéria”?

   Este texto é de 1994. Qualquer pessoa pode dizer: “daqui a 50 anos, será descoberta a prova experimental da existência dos subquarks...”

   Na verdade, Deus pode estar murmurando isso agora mesmo, entre uma risada e outra.

   Outro exemplo de crença dogmática no âmbito da física diz respeito ao Big Bang. Até mesmo físicos não conseguem suportar o peso de questionar tudo eternamente e cristalizam dogmas como a ocorrência do Big Bang, “o início de tudo”. Mas há pesquisadores que defendem a idéia de um Universo cíclico, com uma sucessão de Big Bangs onde cada um marca ao mesmo tempo o fim de um ciclo e o início de outro (soube desta teoria através de uma palestra do prof. Ross Douglas, do IFGW/Unicamp). Mesmo Stephen Hawking (autor do best-seller “Uma Breve História do Tempo”) já defendeu e atacou a teoria do Big Bang, em diferentes momentos.

   Por tudo isso, pode não ser sensato concentrar toda a fé só na ciência ou só na religião. Nesse sentido, vale citar a abertura do “Evangelho segundo o Espiritismo” (organizado por Allan Kardec, Ed. IDE, 1978, 142a. edição, S.Paulo): “Não há fé inabalável senão aquela que pode encarar a razão face a face, em todas as épocas da Humanidade.”

   Quanto à velha questão “Determinismo x Incerteza”: o fato de existirem leis da física não determina de maneira absoluta a evolução de todos os seres; o que as leis fazem é simplesmente imprimir limites para os acontecimentos.

   Nossos movimentos são determinados pelo nosso livre arbítrio e executados de acordo com os limites impostos pelas leis físicas. Assim, Deus não joga dados: ao que parece, ele criou dados e regras para que nós possamos jogar, conforme nossa consciência e vontade.

P.R.Barja

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