Era jovem e bonito. Nada lhe faltava. Nada, a não ser uma certa paciência. Gostava demais de falar, mas tinha extrema dificuldade pra ouvir. E, quando ouvia, pela primeira metade da frase já tirava conclusões precipitadas:
- Ei, sabia que a sua mãe...
- PODE parar, ninguém fala mal da minha mãe, babaca!
- ... é uma pessoa maravilhosa? Me deu o melhor conselho que eu podia ter ouvido essa semana...
Mas aquele-que-não-escutava saía, mesmo assim, pisando duro, jurando que o outro tinha sido ofensivo.
Levava a vida assim. A maioria das pessoas nem percebia isso: muitos ficavam encantados mesmo com aquela pessoa especial e, com o tempo, suspiros acumulavam-se ao seu redor - esses eram prontamente ouvidos... quem explica?
Um dia caiu num poço. Acidente: um buraco enorme numa rua, reformas em execução paralisadas pela época das chuvas, sinalização péssima. Caiu.
Não conseguia sair. Mas tinha boa saúde e teve todas as condições de gritar por socorro. Foi o que fez. Havia pouco movimento por ali, mas em alguns minutos apareceram pessoas dispostas a ajudar:
- Calma! Vamos buscar ajuda!
Ele até viu as pessoas lá no alto. Só não pôde ouvir, preocupado que estava em continuar gritando:
- Tem água aqui! Vou acabar morrendo! Ajudaí, SOCORRO!
Os bombeiros chegaram rápido e um deles iniciou o salvamento:
- Amigo! NÃO tente nadar aí embaixo, ok? Vamos jogar uma corda, apenas agarre firme...!
- Por que não me tiram daqui de uma vez? Tem muita água! Vou nadar pra ver se encontro uma saída!
- Amigo, NÃO faça isso! A corda está quase chegando...
Morreu por não saber ouvir.
P.R.Barja