31 de julho de 2011

Diário de um processo (6) - Teatro-cordel

   (...)
   A expressão "bonito pra chover" (tirada do Dicionário de Piauiês) era luminosa - daquelas poucas palavras que dizem muito -, e sua presença se impunha no texto. Pensei em compor um tema musical para a primeira parte da peça - um momento "de respiro", em que se cantasse essa frase com a alegria daqueles que sabem a importância da chuva para a plantação.
   A essa altura, já havia surgido uma segunda música para a peça - falando dos nordestinos que vieram para SP e tiveram (têm) que encarar o preconceito em determinadas situações: 

Nordeste paulista
P.R.Barja

Vim pra São Paulo
Tô aqui há muitos anos
Não estava nos meus planos
Eu só vim pra trabalhar
Fiquei aqui
Trabalhando noite e dia
Mas é grande a agonia
A saudade é de matar

Fazemos verso
Temos cantoria e festa
Somos tudo gente honesta
Que aprecia um arraial
São Paulo é hoje
Uma terra também nossa
Mas se a gente escuta troça
Fica triste, é natural

Esse país de todos
É mais de alguns que do povo
Junto a gente fica forte
E um dia vai ser feliz de novo


   Mas havia algo talvez até mais importante do que o texto e as músicas, para o trabalho do grupo: a necessidade de trazer imagens para o trabalho dos atores (sugestão, por sinal, dada pelo Atul na estreia da "Seca da Alma". Imagens que nem precisariam ser da seca propriamente dita, mas que serviriam como base para a interpretação em diferentes momentos. Começamos então a pesquisar e montar um pequeno banco de imagens. Na semana seguinte, fui até Santos resgatar (na casa dos pais) um livro que, imaginei, poderia ser útil. Assim que comecei a folhear "Terra", do Sebastião Salgado, tive certeza de que ali estava outra referência fundamental para o nosso trabalho.

(continua)

Portal Macunaíma

Prezados,
incluí neste blog uma ligação para o Portal Macunaíma, que me parece um sítio bastante interessante e sério no que se refere às discussões sobre arte e política pública na área de cultura. Hoje mesmo publiquei um primeiro texto meu por lá. Dada a dica...

Diário de um processo (5) - Teatro-cordel

"A Seca da Alma", um registro do início da trajetória

    LEITURAS
     Retomamos a busca das notícias e encontramos, já no mês de julho:
- Censo 2010 revela que a região do Vale do Paraíba abriga 21 mil famílias de miseráveis;
- No Banhado de São José dos Campos, moradores protestam contra a retirada a que estão sendo forçados em nome da modernização (e da "limpeza" que dá voto)
     A cada leitura, a cada notícia, vai se fortalecendo na gente a vontade de levar o trabalho e essas questões para a rua, para os cidadãos, evitando ficar naquela zona confortável das apresentações "de artista pra artista". Por isso, estabelecemos a meta de levar o trabalho também (e principalmente) para espaços públicos "não-teatrais". Praça e rua também, claro, mas sem limitar o trabalho a "teatro de rua". Uma ideia começou a bater forte: e se a gente pudesse levar a apresentação para igrejas...? Acho que ainda faremos isso.
     Além dos jornais, outras leituras... a principal: a biografia de Luís Gonzaga escrita pela jornalista francesa Dominique Dreyfus. Começamos a ler e discutir trechos em nossas reuniões, pois a vinda dele (e, depois, da família) para o RJ coincidia em muitos aspectos com a história que se delineia aos poucos em nossa dramaturgia.
     Sobre a Seca de 32, os textos do Valdecy Alves ajudavam. E havia dois outros temas a pesquisar, para ambientar a dramaturgia: Lampião e Padre Cícero. Em ambos os casos, uma fonte importante de pesquisa foram os cordéis. Sobre Lampião, são tantos folhetos que seria injusto citar algum. Mas, no caso do Padre Cícero, não há como deixar de destacar o folheto de cordel "A Vida do Padre Cícero", de Manoel Monteiro, pela visão crítica, ferina mesmo (além da qualidade da poesia). Uma grande alegria: o folheto havia sido enviado para mim pelo próprio autor (tido hoje como o maior cordelista vivo do Brasil), junto com uma carta datilografada, extremamente gentil - daquelas escritas por gente que não precisa mais provar nada a ninguém. Obrigado, mestre!
     Em paralelo, comecei uma pesquisa sobre linguagem e expressões que poderiam ser aproveitadas no texto da peça. Além da leitura contínua de folhetos de cordel variados, pesquisei nessa etapa a obra de Câmara Cascudo "Locuções Tradicionais no Brasil" (ed.Itatiaia, 1986). Apesar de extensa e bem cuidada, a obra de Cascudo não forneceu material que se pudesse aproveitar diretamente no texto da peça. Era preciso encontrar algo mais regional... aí me lembrei do presente que eu havia recebido da Méssia, de Teresina:
- Cunha, P. J. Grande Enciclopedia Internacional de Piaiuês (ed. Oficina da Palavra, 4a.ed., 2009)
     Encontrei nesse livro uma verdadeira pérola...

(continua)

29 de julho de 2011

Diário de um processo (4) - Teatro-cordel

   (...)
    Diariamente, os jornais mostram que a história do desterro é secular e atual, repetindo-se, com particularidades locais, no aqui-agora. Durante as leituras, a palavra "diáspora" começou a se impor como tradução desse deslocamento humano impelido por circunstâncias diversas.
    Em meio a esse mar de ideias e informações, no dia 26/06 ocorreu a estreia da "Seca da Alma", com aproximadamente 23 minutos nesta primeira versão. O auditório do CET, no Parque da Cidade de São José dos Campos, estava lotado, com o público composto em boa parte por outros participantes da Mostra Joseense de Cultura.
    Nesse primeiro dia, com o embrião do trabalho, o mais marcante para nós foi que o debate gerado a partir da peça durou mais de uma hora (!), para uma apresentação de pouco mais de 20 minutos (!!) - em meio às diversas críticas recebidas, isso para nós pareceu um sinal de que valeria a pena dar sequência ao trabalho. Registramos aqui as diversas observações recebidas da crítica nesse momento, acompanhadas de pequenos comentários a respeito:

   1) “Isso não é propriamente uma peça de teatro...”
- Verdade! Essa observação evidenciou, até pra gente mesmo, que não era uma preocupação nossa formatar o trabalho nos moldes convencionais de uma peça de teatro.

   2) "Já que vocês falam do Nordeste, por que os atores não usam sotaque nordestino?"
- Essa era uma pergunta inevitável... e se liga a diversos pontos:
i) a proposta de não seguir uma formatação convencional trazia justamente, para nós, uma  liberdade de escolha quanto ao uso ou não de sotaque; 
ii) como o objetivo é mais chamar a atenção para o relato do que para a forma, achamos que seria melhor falar com naturalidade mesmo, até para garantir maior comunicação;
iii) numa proposta (objetivo futuro) de teatro narrativo, o sotaque também não se coloca para nós como questão fundamental; 
iv) optamos por não forçar um sotaque, pra evitar cair em situações como as de produções globais (com carioca-nordestino ou coisa parecida);
v) por fim, uma (eventual, futura) opção por interpretação com sotaque teria que vir após um longo trabalho de preparação, pra não ficar "mais ou menos" - precisaria de tempo de trabalho especificamente para atingir este objetivo;


   3) "O impacto da fala de vocês no debate é maior do que o próprio trabalho em si..."
- Claro que isso não é algo confortável de se ouvir - mostra a necessidade de se trabalhar para levar simultaneamente maior naturalidade e vigor para a interpretação;

   4) “O que significa essa leitura, fria (e talvez excessiva), de dados e notícias?”
- Essa foi uma primeira opção estética, apenas. A ideia era apresentar os dados de modo "jornalístico" buscando assim provocar uma eventual reação emocional no público, sem que os atores "guiassem" as pessoas para a indignação ou qualquer outro tipo de reação - mas essa foi uma colocação importantíssima, pois estávamos abertos a discutir outras possibilidades quanto a isto;

   5) "Quem de fato está contando essa história?"
- Pergunta pertinente do Atul Trivedi, que também lançou luz sobre o trabalho. Apontava um rumo para os próximos passos: descobrir quem eram esses narradores.

    Uma observação importante: mesmo num início de processo, logo após a estreia havia tantos agradecimentos a fazer que acho melhor começar a registrar "oficialmente" por aqui, ainda que já correndo o risco de esquecer alguns nomes:
- aos avaliadores e ao público da Mostra Joseense, pelos comentários;
- ao pessoal do Espaço Cultural Vicentina Aranha, pela cessão do espaço para reuniões e ensaior;
- ao Arievaldo e ao Klévisson, pelas dicas cordelísticas;
- ao Valdecy Alves, pelo material de estudo;
- ao Wangy Alves, pelo acolhimento;
- a todos, pela generosidade.

(continua)

28 de julho de 2011

Coisas que se faz de olhos fechados (1)

1) Risada de felicidade extrema...

Soneto sonhado

sonhei 1 sonho sem palavras com você
mas de um silêncio leve e doce, bem risonho
melhor, sem dúvida, que o verso que componho
para contar aqui do como e do porquê

sonhei 1 sonho sem palavras com você
mas nesse sonho havia gesto, encontro, festa
havia aceno da alegria mais honesta
de vida mesmo, não cinema ou dvd

sonhei 1 sonho sem palavras com você
como dizer? um sonho bem horizontal
que parecia verdadeiro, por sinal

sonhei 1 sonho sem palavras com você
mas te confesso: havia muita coisa ali
tanto é verdade que, em verdade, mal dormi


(P.R.Barja, Julho/2011)

19 de julho de 2011

Diário de um processo (3) - Teatro-cordel

     (...)
     Nas reuniões, comecei a falar para o pessoal sobre Leandro Gomes de Barros, que a meu ver era referência fundamental para nosso trabalho. Trouxe alguns textos dele para a roda e acabamos selecionando pra estudo o folheto "A Seca no Ceará", publicado pouco após a terrível Seca de 1915. Em nosso caso, no entanto, o cordel do mestre Leandro serviria para descrever e contextualizar as agruras referentes a um outro momento histórico, que nos interessava em particular: a Seca de 1932, também no Ceará.
     Começamos a ler sobre a Seca de 1932. De cara, dois impactos: o primeiro foi perceber o tanto de História do Brasil que NÃO se ensina/aprende nas escolas. O segundo: quanta opressão, quanto descaso das autoridades frente ao povo, quanto preconceito, quantas divisões forjadas, forçadas, num povo que deveria estar unido... Os trabalhadores rurais, na época da seca, chegando em Fortaleza apenas com a roupa do corpo (os que tinham roupa) e sendo deslocados para campos de concentração - sim, campos de concentração!
     Que sensação estranha: ficar revoltado - profundamente revoltado - por algo que aconteceu há quase 80 anos, e a centenas de quilômetros de distância...!
     Mas esse povo é também o nosso povo. Essa história é também a nossa história.
     Havia a dúvida: qual o sentido de falar disso aqui, agora? Pra mim, de cara, havia o interesse de compartilhar essas histórias com outras pessoas daqui que, como eu, talvez ainda não soubessem. Mas logo vimos que há mais que isso. 
     Essa história da seca é também a história dos nordestinos que foram levados a "viajar para o Sul" (viajar para SP ou para o RJ também é "viajar para o Sul", no jargão da migração) para buscar trabalho e que, chegando aqui, foram e ainda são vítimas do preconceito - a verdadeira "seca da alma".
     Começamos a coletar depoimentos de nordestinos que vieram para cá - relatos ao vivo e/ou via internet. Percebemos que essa é uma trilha que vai longe, e um caminho riquíssimo de pesquisa.

(continua)

18 de julho de 2011

Diário de um processo (2) - Teatro-cordel

     (...)
     Enfim, foi-se formatando uma primeira ideia: amarrar os poemas com música e encerrar fazendo a leitura de notícias atuais sobre os problemas sociais ligados aos temas do espetáculo.
     Nessa altura fiquei sabendo que a moçada tinha inscrito o trabalho (?!?!) numa mostra de teatro. Muita empolgação: afinal, ainda estávamos pensando o espetáculo! Enfim, ok, vamos lá...
     Começamos a trabalhar a parte musical. Já havia alguma percussão, mas faltava algo - que envolvesse a voz e ao mesmo tempo não se afastasse do sertão. Eu queria flauta (flauta e percussão é uma combinação que funciona bem desde a Idade Média, e o sertão tem algo de medieval), mas sabia que não seria possível em pouco tempo.
     Aí recebemos um reforço importante: a Anne! E, junto com a chegada dela, pintou a ideia de colocar viola no espetáculo. E, com a viola, nasceu a música para abertura (e encerramento?) da apresentação: "Vida é pra celebrar". Na letra, uma espécie de "declaração de intenções" do grupo:

Vida é pra celebrar
Paulo Barja

A gente não veio aqui
pra fazer número não:
a gente veio cantar
a gente veio contar

Vida é pra celebrar
mesmo a mais pequenina
morte e vida severina
no sertão e na campina
vida mãe, vida menina
Vida é pra celebrar

Não vai nos assustar o bico do carcará (2x)

Vida é pra celebrar
mesmo a mais pequenina
morte e vida severina
no sertão e na campina
vida mãe, vida menina
Vida é pra celebrar

Não vai nos assustar o bico do carcará (2x)

Vida é pra celebrar (4x)
(continua)

17 de julho de 2011

Vertical

(texto originalmente produzido para espetáculo de dança da Academia Sueli Maia)

cada movimento
sob a lei da gravidade
tem uma componente vertical

cada pirueta,
cada passo que se inventa
e até um salto quase horizontal

um cientista inglês*.
comentando como fez
pra explicar o que não se entendia antes,
disse que, pra dar o salto,
precisou subir bem alto,
apoiando-se nos ombros de gigantes.

*Isaac Newton

11 de julho de 2011

Cordel na Estante

Boas notícias:
1) estou terminando agorinha de cadastrar os Cordéis Joseenses na Estante Virtual (
http://www.estantevirtual.com.​br/paulobarja )
... e ...
2) acaba de chegar a primeira encomenda...!
Vamos levar nossas histórias pra novos lugares...!

9 de julho de 2011

Lírica praiana


Depois de muito tempo, volto a caminhar pela praia de Santos.
É uma sensação de Adélia, só que diante do mar: epifania na praia.
E um sentimento transoceânico, de Alberto Caeiro:
nenhum poema, nenhuma canção, nenhum discurso
poderá dizer tanto quanto esse caminhar, silencioso.

Escolhendo as bandeiras

Prezados, tomo a liberdade de difundir aqui neste blog a mensagem recebida do querido Moacyr Pinto. Trata-se de uma bandeira que realmente diz respeito a cada um de nós, como cidadão. E hoje, com essa multiplicidade de bandeiras a favor disto ou contra aquilo, é importante ter a objetividade de escolher nossas bandeiras. Que sejam as lutas gerais, muito mais que as particulares ou partidárias. Segue o texto do Moacyr:

QUEM SAMBA FICA, QUEM NÃO SAMBA VAI EMBORA
Companheiros(as),
Coerente com alguns debates - sobre política e mentalidades - que venho tentando propor, na esteira das importantes provocações que o professor Emir Sader tem feito, especialmente no seu blog hospedado na http://www.cartamaior.com.br/, repasso a matéria publicada pelo http://www.abcdmaior.com.br/, relativa à manifestação feita pelos metalúrgicos do ABC e da capital, no dia de ontem (...).
Para mim, o Brasil também poderá sair na frente também no quesito "indignação" da juventude, se ela sair da mera manifestação anti-políticos e da anti-política, de forma genérica e moralista (oriunda nas tais "classes médias" sem rosto e muitas vezes manipuladas por quem está perdendo a disputa política-partidária no país) e eleger bandeiras classistas, em consonância com os interesses nacionais e da maioria, por isso, clara e firmemente contra os interesses dos especuladores (locais e internacionais), dos entreguistas, dos privatistas etc.
Quem de nós não sabe quem são os verdadeiros inimigos, que nunca nos mandaram flores?
É isso aí, nunca me cansei de dizer (e cobrar) que o Movimento Sindical ainda é/pode ser um grande ator político nesse país. Ninguém melhor do que o ABC e a CUT para sair na frente e provar na prática que isso é possível! Não é mesmo?
Como já disse o poeta e também o velho revolucionário:
QUEM SAMBA FICA, QUEM NÃO SAMBA VAI EMBORA!
Um abraço a todos(as),
Moacyr Pinto

Metalúrgicos do ABCD e da Capital param Anchieta em defesa do emprego
Por: Felipe Rodrigues  (felipe@abcdmaior.com.br)
METALÚRGICOS PARAM VIA ANCHIETA PARA LUTAR CONTRA IMPORTAÇÕES
- Mobilização reuniu 30 mil trabalhadores.
- Líderes sindicais esperam que reunião com o governo federal possa ocorrer na próxima semana
Os trabalhadores metalúrgicos do ABCD iniciaram por volta das 6h da última sexta-feira (08/07), em São Bernardo e São Caetano a concentração para uma mobilização intitulada como  defesa do emprego e da produção.
Os 13 mil metalúrgicos da Mercedes-Benz, de São Bernardo, entraram por volta das 7h40 na avenida Trinta e Um de Março, no Bairro Paulicéia e seguiram pelas três faixas da avenidas até a Mahle, onde encontraram aproximadamente mil trabalhadores da empresa. Os sindicalistas entraram na avenida Taboão, no Bairro Taboão, por volta das 8h34 e seguiram em direção até a montadora norte-americana Ford, onde se encontraram com outros sete mil trabalhadores.
Após se juntarem, os metalúrgicos seguiram em frente pela avenida Taboão e desembocaram na pista da Via Anchieta sentido Santos, mas o destino não era o litoral e sim encontrar os trabalhadores da Capital no Km12 da Anchieta.
A manifestação metalúrgica perdurou por aproximadamente uma hora e fechou a Via Anchieta durante a manhã inteira. Com apoio da policiais militares e rodoviários, a mobilização ocorreu de forma segura e não provocou nenhum dano na Capital e também no ABCD.

6 de julho de 2011

Diário de um processo (1) - Teatro-cordel

Escrevo aqui guiado pela vontade de compartilhar e deixar registrado um processo de trabalho que está sendo iniciado com a Cia Independente de Teatro. Meio difícil de definir - vamos chamar de "teatro-cordel". Está no início mas já se configura como um processo (internamente, ao menos) revelador e instigante. Nestes primeiros escritos vou tentar dar um panorama da história até agora; mais pra frente, a ideia é fazer uma espécie de diário de criação.

O ponto de partida
Na última semana de abril, recebi um telefonema do Osni (que eu não conhecia até então). Era sobre uma proposta de trabalho com literatura de cordel, queriam que eu visse e "desse uma força".
Fui. Num teatro escondido, quase abandonado, ouvi o trio (Silvia Galter e Mariana Alpino estavam com ele) recitar o poema "A Morte de Nanã", do Patativa do Assaré - que, diga-se de passagem, não é exatamente um cordelista, né Arievaldo? Na ocasião, entendi que a ideia era ajudar a organizar uma espécie de performance poética e musical que pudesse ser levada a diversos ambientes.
Dei uns toques quanto à leitura/declamação, os aspectos rítmicos, a divisão de frases, momentos de pausa etc. Foi um primeiro contato agradável.
Logo em seguida, fui viajar. Duas semanas depois, o poema estava melhor e começamos a trabalhar nas músicas que o grupo propunha apresentar. À medida que o repertório ia se definindo (a música do Almir Sater acabou saindo), clareava-se na gente a magnitude do tema central: a seca no Nordeste.

Tchekhov em BH
Em seguida, fui com Adriana, Bebel e amigos para BH. Acampamos na casa (melhor ainda: na biblioteca!) da Inês e do Eduardo (Grupo Galpão). Vimos a montagem do Galpão para Tio Vânia, do Tchekhov. Belíssimo trabalho! Algumas coisas ficaram "martelando" na minha cabeça... a principal: bons textos são atemporais. Porque trazem, ainda que naturalmente inseridas num determinado contexto histórico, questões grandes, fundamentais ainda hoje.
Falar de opressão bem que poderia ser algo ultrapassado... mas não é.

Carcará e as estatísticas
De volta a SJC, as reuniões semanais continuavam. Começamos a pesquisar mais sobre a Seca de 1932 no Ceará. Neste ponto, veio à tona uma referência básica e fundamental: Bethânia cantando Carcará, na década de 60, e "recitando" brilhantemente as estatísticas da migração. Aí surgiu uma ideia de pesquisa: vamos investigar as estatísticas ATUAIS do Nordeste brasileiro, em termos de problemas como o analfabetismo e a mortalidade infantil? Fomos. E aí começou a batalha da edição das notícias (e das estatísticas do IBGE), para que pudéssemos inserir no trabalho alguns destes resultados. Começava a ganhar corpo aí a vontade de falar da vida dos nossos irmãos nordestinos para o pessoal daqui.

(continua)

4 de julho de 2011

Oração com sentimento budista

Que Deus me dê
a pureza de um recém-nascido,
a energia de uma criança de 10 anos,
o sentimento de um adolescente de 15
e a mente eternamente aberta para aprender.

PRBarja

3 de julho de 2011

O artista cidadão


     Sobre (des)organização e (falta de) apoio a cultura, quero dar um toque: acho que a coisa não é pessoal, não tem a ver com o tipo de trabalho nem com a cidade - infelizmente já tô quase achando que talvez não se resolva nem com o voto, apenas (claro que o voto ajuda, e muito). Perdão dizer isso, não quero parecer pessimista, mas escutem isso: 
1) numa cidade de administração progressista próxima da gente, nos últimos 2 meses, 2 grupos de amigos nossos tiveram apresentações canceladas aparentemente por confusão de agenda (parece que marcaram mais de uma coisa no mesmo dia e local).
2) recebi recentemente contato de artistas se queixando do pouco espaço dado pela prefeitura - de uma capital do Nordeste! - às artes populares.
     Diante disso, o que fazer? Legal a gente trocar ideias. Parece que é hora realmente de tentar unir experiências e forças, mas não necessariamente buscando confronto.
     O essencial: NÃO precisamos ser reféns de nada, entendem? Esse ponto está no ar desde um debate ocorrido aqui e SJC ano passado e acho que talvez inda valha (muito) a pena falar sobre.
     Artista é cidadão. A falta de respeito fundamental(ista) que nos assola hoje em dia nem é contra o artista: é contra o nordestino, o gay, o negro... e por aí afora. Então, o artista se insere dentro desse cordão de cidadãos comuns que busca respeito e justiça e que tem professores, comerciantes, faxineiras, feirantes, médicos, operários, jornaleiros etc etc.
     Junto a gente fica forte: ninguém pode colocar uma classe ou etnia ou cidade ou estado ou país como refém.
     Vamos trabalhar? Juntos?
   "Pero sin perder la ternura jamás!", como disse
Che (e continua dizendo, através da voz de muitos).

2 de julho de 2011

Abaixo o preconceito!

     Hoje recebi um email extremamente preconceituoso - desses que não se pode deixar sem resposta. A pessoa conclama os seus leitores a combater o movimento gay... pode isso? E gasta parágrafos com afirmações "pseudo-cristãs" (sim, porque sou cristão e não me reconheço ali de modo algum).
     Respondo aqui como cristão que sou. Mas deixo claro que respeito seguidores de todas as religiões, sem distinção. São todos meus irmãos na humanidade (por sinal, impossível não lembrar do Lennon cantando "Imagine there´s no heaven..." - o cara sabia das coisas).
     Acho INACEITÁVEL difundir o preconceito através de emails covardes, que distorcem as informações. Devemos lutar sim, mas pela LIBERDADE de afeto e de expressão. Sou cristão e apoio totalmente o respeito INCONDICIONAL ao meu semelhante, seja ele/ela heterossexual ou homossexual. 
     Não faz muito tempo e o mundo condenava os negros. Foi uma batalha de muito tempo para tentar vencer esse preconceito. Cristão não pode distinguir o próximo, seu semelhante, pela etnia. 
     Não faz muito tempo e o mundo negava os direitos das mulheres. Foi preciso muita luta para fazer com que se reconhecesse os direitos femininos. 
     O embate "gays x cristãos" é totalmente falso, pois NÃO existe real oposição entre uns e outros. 
     As pessoas precisam aprender a conviver com o diferente. Desde cedo. 
     O diferente não é pior, não é melhor: é diferente. Termino dizendo, como a pessoa que me mandou o email preconceituoso, "passem adiante". Mas, ao contrário dessa pessoa, não acho que "Deus vai à nossa frente". Não! Ele está no meio de nós.